COMMONITORIUM
† † †
Syllabus Errorum: Cardeal Newman
COMMONITORIUM
† † †
Syllabus Errorum: Cardeal Newman
OBS.: antes de tudo, deixo registrado meu máximo respeito e reverência pela atividade sacerdotal e hierarquia do Clero, bem como pelos estados de vida consagrados a Deus, por meio das Ordens Religiosas. Em especial, o Sacerdócio é, independentemente do caráter de quem faz uso de suas incumbências, uma missão sagrada, ungida por Deus e, portanto, digna de toda admiração e reverência. Por isso, qualquer indivíduo, mormente um leigo, ao dirigir-se a um homem nessa posição, deve ter a mais alta prudência possível nos pensamentos, atos e palavras: 1) Porquanto não lidará com um comum, mas ungido e escolhido do Altíssimo e, por ser Padre, dotado da graça e responsabilidade de ministrar Sacramentos e perdoar pecados em nome do Criador; 2) Porque tem ele as mãos consagradas — as únicas com permissão ordinária para tocar a Sacratíssima Eucaristia, que é Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus Vivo com o Pai e o Espírito Santo. Portanto, se em alguma conjuntura, um Ministro do Todo Poderoso comete um erro de proporção tal que põe em risco a salvação de uma e/ou mais almas — e/ou mesmo a dele —, é dever do fiel católico rezar por esse Padre ou Bispo, antes de tudo; e, se possível, exortá-lo (docilmente) no que concerne a redimir-se dos equívocos, a consertar o que for possível e seguir os preceitos da Fé, Tradição e Doutrina da única e genuína Igreja de Deus: que é Una, Santa, Católica e Apostólica. Paralelamente a isso, há situações em que não há meios de exortar direta e/ou pessoalmente tal Clérigo (quiçá por já ter ele falecido ou ser uma pessoa de difícil acesso). Também ocorre de um ensinamento errôneo do catolicismo ser proliferado em larga escala, por meio de um livro, audiovisual, etc., advindo de um Sacerdote. Nesse caso, mesmo que o Padre possa ser contatado, as proporções de seu erro são incomensuráveis e, assim sendo, muito difíceis de serem revertidas, a não ser por milagre. Então, nessa conjuntura, é obrigação do católico fiel (que tem conhecimento do fato) fazer tudo o que for possível para minimizar os danos dessa problemática proliferação massiva, com o mais alto respeito, magnanimidade e toda sabedoria de que dispõe seu ser, de modo a alertar seus irmãos na Fé acerca de tais equívocos e incentivá-los a não cometê-los, conquanto, sem deixar de amar em Cristo o autor dos equívocos (porque a Santa Igreja nos ensina a odiar o pecado, mas a amar o pecador), intercedendo por ele e sem cair no erro de condená-lo, porque só Deus é juiz, principalmente de seus ungidos.
OBS.: escreve São Paulo a Tito: “adverte-os que sejam sujeitos aos magistrados e às autoridades, que lhes obedeçam, que estejam prontos para toda a boa obra; que não digam mal de ninguém, nem sejam questionadores, mas modestos, mostrando toda a mansidão para com todos os homens. Também nós, outrora, éramos insensatos, rebeldes, desgarrados, escravos de paixões e prazeres, vivendo na malícia e na inveja, dignos de ódio e odiando os outros. Mas, quando se manifestou a bondade de Deus, Nosso Salvador, e o Seu amor pelos Homens, não pelas obras de justiça que tivéssemos feito, mas por Sua misericórdia, salvou-nos, mediante o Batismo de regeneração e de renovação do Espírito Santo, que Ele difundiu sobre nós, abundantemente, por Jesus Cristo, Nosso Salvador, para que a justificação obtida por Sua graça nos torne, em esperança, herdeiros da Vida Eterna. Esta é uma verdade infalível e quero que a afirmes, para que procurem ser os primeiros nas boas obras aqueles que crêem em Deus. Estas coisas são boas e úteis aos Homens. Foge, porém, de questões loucas, de genealogias, de disputas e de contestações sobre a Lei, porque são inúteis e vãs. Foge do herético, depois da primeira e segunda correção, sabendo que um tal homem está pervertido e peca, como quem é condenado pelo seu próprio juízo." (Tt 3,1-11) Isso quer dizer que o fiel católico tem de abster-se de toda e qualquer discussão inútil, supérflua, vã e/ou que ponha em dúvida Verdades da Fé — a menos que seja para defendê-Las.
OBS.: contudo, depreende-se de tais sábias palavras do Santo Apóstolo que é obrigação de todo seguidor de Cristo não envolver-se em querelas estapafúrdias, bem como defendê-Lo e propagá-Lo sempre que possível, com sabedoria e parcimônia, como o fez São Paulo, inclusive perante São Pedro, o primeiro Papa: "catorze anos depois, subi novamente a Jerusalém, com Barnabé, tomando também comigo a Tito. Subi, em consequência de uma revelação; conferi com eles o Evangelho que prego entre os gentios e (conferi) particularmente com aqueles que eram de maior consideração, a fim de não correr ou de não ter corrido inutilmente. Ora, nem mesmo Tito, que estava comigo, sendo grego, foi obrigado a circuncidar-se, e isto por causa dos falsos irmãos, que se intrometeram a espiar a liberdade que temos em Jesus Cristo, para nos reduzirem à escravidão (querendo obrigar-nos à observância dos ritos mosaicos), aos quais, nem um só instante, cedemos, para que permaneça entre vós a verdade do Evangelho. Quanto, porém, àqueles que tinham grande autoridade, (quais tenham sido noutro tempo, não me importa, pois Deus não faz acepção de pessoas) esses, digo, que tinham grande autoridade, nada me impuseram. Antes, pelo contrário, tendo visto que me tinha sido confiado o Evangelho para os não circuncidados, como a Pedro para os circuncidados (porque quem fez de Pedro o Apóstolo dos circuncidados também fez de mim o Apóstolo dos gentios), e tendo reconhecido a graça que me foi dada, Tiago, Cefas e João, que eram considerados as colunas (da Igreja), deram as mãos a mim e a Barnabé, em sinal de comunhão, para que fôssemos aos gentios, e ele aos circuncidados, (recomendando) somente que nos lembrássemos dos pobres (da Judeia); o que eu fui solícito em cumprir. Mas, tendo vindo Cefas a Antioquia, eu lhe resisti na cara, porque merecia repreensão, pois que antes que chegassem alguns de Tiago, ele comia com os gentios, mas, depois que chegaram, retirava-se e separava-se (dos gentios), com receio dos que eram circuncidados. Os outros judeus imitaram-no na sua dissimulação, de sorte que até Barnabé foi induzido por eles àquela simulação. Porém eu, tendo visto que eles não andavam direitamente, segundo a verdade do Evangelho, disse a Cefas, diante de todos: "se tu, sendo judeu, vives como gentio e não como judeu, por que obrigas os gentios a judaizar?" Nós somos judeus, por nascimento, e não pecadores dentre os gentios." (Gl 2,1-15) Aqui São Paulo comprova que, em dadas conjunturas, é pertinente a exortação em privado. Em outras, a correção pública é necessária.
OBS.: corrobora, pois, tal verdade o mesmo Bem-Aventurado: “eu te conjuro, diante de Deus e de Cristo Jesus, que há de vir julgar os vivos e os mortos, pela Sua aparição e por Seu Reino: proclama a palavra, insiste, no tempo oportuno e no inoportuno, refuta, ameaça, exorta com toda paciência e Doutrina. Pois virá um tempo em que alguns não suportarão a Sã Doutrina; pelo contrário, segundo os seus próprios desejos, como que sentindo comichão nos ouvidos, se rodearão de mestres. Desviarão os seus ouvidos da verdade, orientando-os para as fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em tudo, suporta o sofrimento, faze o trabalho de um evangelista, realiza plenamente o teu ministério. Quanto a mim, já fui oferecido em libação, e chegou o tempo de minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a Fé.” (2Tm 4,1-7)
OBS.: todavia, havendo renúncia contumaz, por parte dos interlocutores, em relação às verdades de Fé, que seja feita a vontade de Nosso Senhor: “depois disto, o Senhor escolheu outros setenta e dois, mandou-os, dois a dois, adiante de Si, por todas as cidades e lugares onde Ele estava para ir. Disse-lhes: "grande é, na verdade, a Messe, mas os operários poucos. Rogai, pois, ao Dono da Messe que mande operários para a Sua Messe. Ide. Eis que Eu vos envio como cordeiros entre lobos. Não leveis bolsa, nem alforje, nem calçado, e pelo caminho não saudeis ninguém. Na casa em que entrardes, dizei primeiro: a paz [esteja] nesta casa. Se ali houver algum filho de paz, repousará sobre ele a vossa paz; de contrário, tornará para vós. Permanecei na mesma casa, comendo e bebendo do que tiverem; porque o operário é digno da sua recompensa. Não andeis de casa em casa. Em qualquer cidade em que entrardes, e vos receberem, comei o que vos puserem diante; curai os enfermos que nela houver, e dizei-lhes: está próximo de vós o Reino de Deus. Mas, em qualquer cidade em que entrardes, e vos não receberem, saindo para as praças, dizei: até o pó da vossa cidade, que se nos pegou aos pés, sacudimos contra vós; não obstante isto, sabei que o Reino de Deus está próximo." (Lc 10, 1-11)
OBS.: assim, sejamos discípulos, apóstolos, anunciadores, servos desse mesmo Cristo Jesus, de modo santo, sábio, piedoso, modesto e ordenado, como finaliza a questão Santo Tomás de Aquino: “duas coisas se devem distinguir nas discussões sobre a Fé: uma, relativa a quem discute; outra, aos ouvintes. Relativamente àquele, é preciso que se lhe leve em conta a intenção. Se discutir, duvidando da Fé e não lhe tendo como certas as verdades, que procura examinar por meio de argumentos, por certo peca, como dúbio na Fé e infiel. Digno de louvor será, porém, se discutir sobre a Fé para refutar erros, ou mesmo como exercício. Relativamente aos ouvintes, devemos distinguir se os assistentes [espectadores] à discussão são instruídos e firmes na Fé, ou se simples, e a tem vacilante. Pois, certamente, nenhum perigo há em se discutir na presença de sábios e firmes na Fé. Quanto aos simples, porém, é mister distinguir [ponderar a respeito]. Porque, ou são provocados e repelidos pelos infiéis, como os judeus, os heréticos ou os pagãos, que se esforçam por lhes corromper a Fé; ou de nenhum modo são provocados nessas questões, como nas terras onde não existem infiéis. No primeiro caso, é necessário discutir sobre a Fé publicamente, desde que se encontre quem seja idôneo e capaz para tal e possa refutar os erros. Pois assim, os simples na Fé se fortalecerão e os infiéis ficarão privados do poder de enganar; e, ao contrário, o fato mesmo de se calarem os que deviam se opor aos corruptores da verdade da Fé seria confirmação do erro. Por isso, Gregório diz: assim como falar incautamente incrementa o erro, assim o silêncio indiscreto abandona ao erro os que deviam ser ensinados. No segundo caso, porém, é perigoso disputar [debater] sobre a Fé na presença dos simples, cuja crença é mais firme quando nada ouviram diverso daquilo que creem. Por isso não convém [que] ouçam as palavras dos infiéis, que disputam contra a Fé. (...) O Apóstolo não proíbe totalmente a discussão, senão só a desordenada, que se faz, antes, pela contenção das palavras [vaidade e verborragia] do que pela firmeza das expressões. (...) A lei citada proíbe à discussão pública sobre a Fé, procedente de dúvidas relativamente a esta [questionamento de Sua veracidade]; não, porém, a que visa conservá-la. (...) Não se deve discutir sobre os artigos da Fé, como duvidando deles, mas para manifestar-lhes a verdade e refutar os erros. Por isso é necessário, para a confirmação da Fé, disputar, às vezes, com os infiéis — ora defendendo a Fé, conforme aquilo da Escritura: sempre aparelhados para responder a todo o que vos pedir razão daquela esperança que há em vós, ora para convencer os errados, segundo, ainda, a Escritura: para que possa exortar conforme à Sã Doutrina e convencer aos que [A] contradizem.” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, Parte II, Seção II, Questão 10, Artigo 7)
OBS.: “Artigo 1: se a correção fraterna é ato de caridade. - A correção do delinquente é um remédio que devemos aplicar contra o pecado cometido. Ora, o pecado cometido pode ser considerado à dupla luz: como nocivo ao pecador e como contribuindo para o mal de outros, que são lesados ou escandalizados pelo pecado; ou, ainda, enquanto nocivo ao bem comum, cuja justiça perturba. Logo, dupla há de ser a correção do delinquente. Uma, que remedeie [o] pecado enquanto mal do próprio pecador. — E essa é propriamente a correção fraterna, ordenada à emenda do delinquente. Ora, livrar alguém de um mal é ato da mesma natureza que lhe buscar o bem. Mas buscar o bem do próximo é próprio da caridade, que nos leva a querer e a fazer bem ao nosso amigo. Por onde, também a correção fraterna é um ato de caridade, pois nos leva a repelir o mal do nosso irmão, que é o pecado. — (...) Outra correção é a que remedeia ao pecado do delinquente, enquanto causa o mal dos outros, e, sobretudo, enquanto danifica o bem comum. E tal correção é ato de justiça, da qual é próprio conservar a retidão justa entre um e outro indivíduo. (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, Parte II, Seção II, Questão 33, Artigo 1)
OBS.: “Artigo 4: se alguém está obrigado a corrigir o seu Prelado. - A correção, ato de justiça, aplica a coerção da pena. [Isto] não cabe ao súdito, em relação ao Prelado. Mas a correção fraterna, ato de caridade, incumbe a todos, relativamente a qualquer pessoa para com quem se deve ter caridade, se nela se encontrar o que deva ser corrigido. Pois, o ato procedente de um hábito ou potência abrange tudo o que está contido no objeto dessa potência ou hábito, assim como a visão abrange tudo o que está contido no objeto da vista. Mas, havendo o ato virtuoso de adaptar-se às circunstâncias devidas, a correção que os súditos aplicarem aos Prelados deve ser feita de modo congruente, não o corrigindo com protérvia e dureza, mas com mansidão e reverência. [Como diz] o Apóstolo: não repreendas com aspereza ao velho, mas adverte-o como [a um] pai. Por isso Dionísio repreendeu ao monge Demófilo, por ter corrigido um sacerdote irreverentemente, maltratando-o e expulsando-o da igreja. Donde a resposta à primeira questão: toca-se indebitamente no Prelado quando ele é repreendido com irreverência... (...) E isso é significado pelo contato do monte e da arca, proibido por Deus. Resposta à segunda: resistir na cara, em presença de todos, excede o modo da correção fraterna; e por isso Paulo não teria assim repreendido a Pedro se não lhe fosse igual, de certa maneira, na defesa da Fé. Mas advertir oculta e reverentemente também pode fazê-lo quem não é igual. Por isso o Apóstolo escreve que os súditos advirtam o seu Prelado, quando diz: dizei a Arquipo: cumpre o teu ministério. Devemos, porém, saber que, correndo iminente perigo a Fé, os súbitos devem advertir os Prelados, mesmo publicamente. Por isso Paulo, súdito de Pedro, repreendeu-o em público, por causa de perigo iminente de escândalo para a Fé. E assim diz a Glosa de Agostinho: o próprio Pedro deu aos maiores o exemplo de, se porventura se desviarem do caminho reto, não se [dedignarem] ser repreendidos, mesmo pelos inferiores. Resposta à terceira: presumir-se melhor, absolutamente, que o seu Prelado é soberba presunçosa. Mas julgar-se melhor, em algum ponto, não é presunção, porque não há ninguém nesta vida que não tenha algum defeito. Donde devemos concluir que quem admoesta caridosamente o seu Prelado, não se considera por isso maior que ele, mas lhe vai em auxílio a ele, que, quanto mais ocupa um lugar superior, a tanto maior perigo se acha exposto, como diz Agostinho.” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, Parte II, Seção II, Questão 33, Artigo 4)
OBS.: a correção fraterna é de preceito e, por conseguinte, está presente na Fé Católica desde sua origem, com Jesus Cristo. Santo Tomás de Aquino, o mais notável entre os Doutores da Santa Igreja, em sua Suma Teológica, aborda magistralmente o tema (Secunda Secundae, Questão 33, Artigos 1 a 8). Eis alguns trechos: “a correção fraterna constitui objeto de preceito. (...) Como já dissemos, há dupla forma de correção. — Uma é ato de caridade e tende à emenda do nosso irmão delinquente, por simples advertência. E essa correção pertence a todos que têm caridade, quer seja súdito, quer Prelado. — Há, porém, outra correção, que é ato de justiça, e visa o bem comum. E este é realizado, não só pela advertência fraternal, mas também, às vezes pela punição, para o temor levar os outros a abandonarem o pecado. E essa correção pertence somente aos Prelados, que não só têm que advertir, mas, ainda, corrigir punindo. (...) A correção, ato de justiça... coerção da pena, não cabe ao súdito, em relação ao Prelado. Mas a correção fraterna, ato de caridade, incumbe a todos, relativamente a qualquer pessoa para com quem se deve ter caridade, se nela se encontrar o que deva ser corrigido. Pois o ato procedente de um hábito ou potência abrange tudo o que está contido no objeto dessa potência ou hábito, assim como a visão abrange tudo o que está contido no objeto da vista. Mas, havendo o ato virtuoso de adaptar-se às circunstâncias devidas, a correção que os súditos aplicarem aos Prelados devem ser feitas de modo congruente, não o corrigindo com protérvia e dureza, mas com mansidão e reverência. Donde o dizer o Apóstolo: não repreendas com aspereza ao velho, mas adverte-o como o pai. Por isso, Dionísio repreendeu ao monge Demófilo, por ter corrigido um Sacerdote irreverentemente, maltratando-o e expulsando-o da igreja. (...) Resistir na cara, em presença de todos, excede o modo da correção fraterna; e por isso Paulo não teria assim repreendido a Pedro se não lhe fosse igual, de certa maneira, na defesa da Fé. Mas advertir oculta e reverentemente também pode fazê-lo quem não é igual. Por isso o Apóstolo escreve que os súditos advirtam o seu Prelado, quando diz: dizei a Arquipo: cumpre o teu Ministério. Devemos, porém, saber que, correndo iminente perigo a Fé, os súditos devem advertir os Prelados, mesmo publicamente. Por isso Paulo, súdito de Pedro, repreendeu-o em público, por causa de perigo iminente de escândalo para a Fé. E assim diz a Glosa de Agostinho: o próprio Pedro deu aos maiores o exemplo de, se porventura se desviarem do caminho reto, não se dedignem ser repreendidos, mesmo pelos inferiores. (...) Presumir-se melhor, absolutamente, que o seu Prelado, é soberba presunçosa. Mas julgar-se melhor, em algum ponto, não é presunção, porque não há ninguém nesta vida que não tenha algum defeito. Donde devemos concluir que quem admoesta caridosamente o seu Prelado não se considera por isso maior que ele, mas lhe vai em auxílio a ele, que, quanto mais ocupa um lugar superior, a tanto maior perigo se acha exposto, como diz Agostinho. (...) Quando a necessidade nos obrigar a repreender alguém, reflitamos se se trata de um vício tal que nunca tivemos — que somos Homens e poderíamos tê-lo tido; ou que é um vício tal que já tivemos e, de presente, não temos — e, então, não percamos a memória da comum fragilidade, para fazermos a correção, não com ódio, mas com misericórdia. Se, porém, nos encontrarmos no mesmo vício, não repreendamos, mas gemamos juntamente e convidemos o pecador à penitência comum. Ora, daqui se conclui claramente que, se o pecador corrigir com humildade o delinquente, não peca nem se expõe à nova condenação — salvo se, agindo assim, pareça condenável à consciência do irmão ou, pelo menos, à sua, quanto a pecado passado. (...) Sobre a acusação pública dos pecadores é preciso distinguir. Pois, ou os pecados são públicos ou ocultos. — Se públicos, não devemos somente corrigir o pecador, para que se torne melhor, mas também dar satisfação aos outros, que os conheceram, para não se escandalizarem. Por isso, tais pecados devem ser repreendidos publicamente, conforme aquilo do Apóstolo: aos que pecarem, repreende-os diante de todos, para que também os outros tenham medo — o que se entende dos pecados públicos, diz Agostinho. Se, porém, os pecados forem ocultos, então se aplicará o dito do Senhor: — se teu irmão pecar contra ti... pois, quando te ofender publicamente, em presença dos outros, já não pecará só contra ti, mas também contra os outros, que também se ofende. Mas, como os pecados, mesmo ocultos, podem causar ofensa ao próximo, é necessário, ainda, neste ponto, distinguir. — Certos pecados ocultos causam dano ao próximo, corporal ou espiritualmente; por exemplo, se alguém trata ocultamente de entregar a cidade aos inimigos; ou se um herético desviar, privadamente, os outros da Fé. E como quem assim peca ocultamente não só peca contra uma determinada pessoa, mas também contra as outras, é necessário se proceda logo à repreensão pública, para o referido dano ser reparado — salvo se houver razões sérias de pensar que os males em questão possam ser conjurados de pronto, por uma advertência secreta. Há outros pecados, porém, que redundam só no mal do pecador e daquele contra o qual ele peca, ou porque este é somente o prejudicado por ele, seja, embora, só pelo conhecimento. E, então, devemos somente ir em auxílio do irmão pecador. E, assim como o médico do corpo deve restituir a saúde ao doente, se puder, sem amputar nenhum membro, mas, se o não puder, cortando o membro menos necessário, para conservar a vida do todo, assim também quem se esforça por emendar o próximo deve, se puder, emendá-lo na sua consciência, para se lhe conservar a boa reputação.”
OBS.: é mister ressaltar: a Igreja é Una, Santa, Católica e Apostólica. Eis o que diz sua Profissão de Fé (Credo/Símbolo). Por conseguinte, depreende-se que é Ela inequívoca, inerrante, infalível, imaculada, perfeita — precipuamente porque é o Corpo Místico de Cristo (que é Deus e indefectível), sendo Ele a cabeça e os fiéis católicos os membros ["Ele é a cabeça do corpo da Igreja, é o princípio..." (Cl 1,18)]. Logo, se há qualquer situação problemática dentro da Santa Igreja Católica, nada tem a ver com a Instituição de per si; nada disso tem relação com Seus Santos Dogmas e com Sua Santa Tradição, os quais são divinos e, desse modo, genuínos, irrepreensíveis e inspirados pelo Espírito Santo (Paráclito). De fato, qualquer situação negativa que, porventura, venha a ocorrer advém senão de falha por parte dos membros constituintes da Santa Igreja de Deus e não Dela enquanto Fé (Corpo Doutrinal), os quais, esses sim, passíveis de pecado e queda, por sua natureza humana, limitada e ferida com o pecado original — diferentemente da Santa Igreja Católica, que é impecável, de natureza sobrenatural e Corpo Espiritual da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Nosso Senhor Jesus Cristo, refriso.
OBS.: uma simplória, mas pertinente analogia: a medicina é uma prática extremamente importante. Eis uma ciência que, por definição, tem por primeiro objetivo fornecer todo o possível para maximizar a qualidade da vida humana e minimizar os riscos que a ameaçam. Se, por exemplo, um médico é abortista, está indo de encontro a tal referido princípio basilar, o qual rege sua profissão. Ora! Se, ao invés de salvar vidas, ele as ceifa, isso não faz da medicina algo mau, só porque um de seus membros o é — ou vários; ou mesmo a maioria. Não tem qualquer relação com a razão de ser dessa importante Ciência. Há de se observar os princípios que alicerçam o objeto de reflexão e não as casuísticas inerentes a ele. Da mesma maneira, acontece com a Santa Igreja Católica, única e verdadeira religião de Deus: Sua santidade e indefectibilidade indiscutíveis e sobrenaturais devem ser separadas dos atos humanos e suscetíveis a erros, por parte de alguns de Seus membros. Julgar o todo a partir de uma de suas partes constituintes é grave equívoco. Assim como, por exemplo, se uma santa família de trabalhadores tem um de seus dose membros corrompido por pecados e envolvido com ilicitudes. Isso não faz dela um clã de criminosos. Generalizar o que é isolado e tornar regra o que é exceção é conduta miseravelmente errônea. Diz o sábio adágio: “o abuso não tolhe o uso.”
OBS.: detenho-me nessas considerações introdutórias por dois motivos: 1º) A fim de respaldar as exortações que no presente documento registro, na condição de simples fiel católico, pecador miserável e um dos últimos na hierarquia do Exército de Deus, mas ciente de meus direitos e deveres enquanto servo de Nosso Senhor, concernentes ao meu estado de vida — admoestações essas as quais são ação respaldada pela Santa Tradição Católica bi-milenar, nesse Vale de Lágrimas; 2º) Para que todo aquele que, ao acessar os conteúdos presentes neste comonitório e encontrar relatos de alguma defectibilidade por parte de qualquer membro da Santa Igreja Católica, não caia no absurdo erro de interligar tal negativa conjuntura mencionada às Santas Doutrina e Tradição Católicas e Suas respectivas diretrizes. Real espelho de proceder no catolicismo é, em suma, Nosso Senhor Jesus Cristo, a Santíssima Virgem Maria, Sua Mãe, e Seu Bem-Aventurado esposo, São José. Quem os imita tem a certeza de trilhar o caminho mais curto aos Céus, sem a mínima dúvida. Em oposto, o que age em dissonância com a Sagrada Família, incide em perigoso erro e, destarte, não reflete a Santa Igreja de Deus, Suas Leis e ensinamentos advindos da própria Santíssima Trindade.
OBS.: em citações, colchetes vermelhos são intervenções de minha autoria, as quais, a contragosto, tenho de fazer. Alguns textos são traduzidos mecanicamente e, por conseguinte, demandam algumas edições em seus conteúdos. Há, outrossim, conjunturas com erros de tradução, gramaticais, de ambiguidade, de desenvolvimento confuso, escassez de informação, etc. Para esses e outros peculiares casos, sinto-me na delicada, porém necessária obrigação de intervir, de modo que o escrito chegue ao leitor da forma mais inteligível e correta possível, com o mínimo de intervenção e o máximo de originalidade. E, a quem interessar, fica sempre exposta a origem do registro, com link e/ou bibliografia, a fim de que se saiba onde encontrar a fonte por meio da qual acessei a respectiva informação.
OBS.: dôo ao máximo todo o pouco que sei. E, quando não for o suficiente, que o misericordiosíssimo Deus Trino complemente. Amém!
† † †
INTRODUÇÃO
Basta uma simples e rápida pesquisa na internet para depararmo-nos, facilmente, com uma enxurrada de conteúdos pretensamente católicos tradicionais (com o perdão do tão necessário pleonasmo nos conturbados tempos atuais), os quais fazem uso da obra de Vossa Eminência Cardeal John Henry Newman (1801-1890 d.C.), como se fosse ele um exemplo de retidão e ortodoxia, no que tange à Santa Doutrina. Ledo engano, infelizmente!
Neste opúsculo compartilho alguns escritos que creio contribuírem para melhor entendimento do que foi a caótica vida eclesiástica e teológica desse ex-pastor anglicano, popularmente conhecido como “Cardeal Newman”.
Por fim, selo esse registro com alguns adendos que julgo importantíssimos de serem mencionados, em relação à excêntrica vida sacerdotal de V.Em.ª Cardeal Newman — e com pesar e devido respeito o faço, já que meu desejo é nada menos que ver todo Sacerdote cumprir sua missão pastoral em odor de santidade e jamais inclinado a erros, sobretudo doutrinais.
† † †
OBS.: em citações, colchetes vermelhos são intervenções de minha autoria, as quais, a contragosto, tenho de fazer. Alguns textos são traduzidos mecanicamente e, por conseguinte, demandam algumas edições em seus conteúdos. Há, outrossim, conjunturas com erros de tradução, gramaticais, de ambiguidade, de desenvolvimento confuso, escassez de informação, etc. Para esses e outros peculiares casos, sinto-me na delicada obrigação de intervir, de modo que o escrito chegue ao leitor da forma mais inteligível e correta possível, com o mínimo de intervenção e o máximo de originalidade. E, a quem interessar, fica sempre exposta a origem do registro, com link e/ou informação bibliográfica, a fim de que se possa fazer a averiguação na fonte primária.
OBS.: os dois primeiros textos são de autoria da escritora Margaret C. Galitzin. Um trata-se de sua resenha crítica do livro (e-book) “Another Look at Cardinal John Henry Newman”, do escritor Richard Sartino. O outro é um resumo seu de “Brownson's Quarterly Review”, livro de Orestes Brownson, no qual trata também de “Essay on Development of Doctrine”, de John Henry Newman.
OBS.: infelizmente, não obstante minhas exaustivas buscas pela internet, não logrei êxito em encontrar informações que julguei confiáveis, acerca de C. Galitzin e de Richard Sartino; tão somente seus escritos — e, a julgar por esses, aparentemente demonstram serem católicos praticantes, zelosos quanto à ortodoxia da Fé e propagadores dos Santos Dogmas e da Santa Tradição; e, obviamente, se não fosse essa a impressão transmitida por seus conteúdos, jamais faria uso de suas obras e muito menos as citaria em qualquer de minhas publicações.
OBS.: quanto a Orestes Brownson, esse foi um protestante convertido à verdadeira Igreja de Deus, a Católica. Trata-se de um dos maiores intelectuais de seu tempo. Escritor muitíssimo respeitado pelos maiores eruditos do Século XIX d.C., tanto na Europa quanto nos Estados Unidos da América. Fervoroso católico, defensor dos Santos Dogmas e propagador da Santa Tradição.
OBS.: urge um registro pertinente: a palavra “ortodoxia” significa “rigor ao extremo”, “máxima fidelidade”, “estrito cumprimento da lei/regra”. No decorrer de alguns textos em voga, há diversos momentos nos quais aparecem derivações desse verbete. Todos devem ser concebidos à luz desse significado literal e jamais atrelado à ideia de “católico ortodoxo” — expressão essa que, a bem da verdade, se trata de colossal contradição e uma afronta à lógica, uma vez que é utilizada por hereges, que de ortodoxos nada têm, já que pertencem a uma seita que usurpa o nome da Santa Igreja Católica e, ao arrogar-se como tal, levianamente usa em sua denominação cismática o nome sagrado da Única e Santa Igreja de Deus. — No primeiro milênio do catolicismo eles se rebelaram contra o papado; não se submeteram ao Deus Trino e Sua Santa Igreja; não se emendaram os heréticos e, por conseguinte, foram excomungados no ano de 1054 d.C. e, lamentavelmente, assim permanecem até o momento em que escrevo estas palavras.
† † †
Margaret C. Galitzin
Resenha Crítica do livro (e-book) “Another Look at Cardinal John Henry Newman”, de Richard Sartino
Link da resenha crítica e do livro (e-book): 01
Como muitos conservadores americanos, enquanto crescia, ouvia as palavras de Cardeal John Henry Newman frequentemente, em sermões e aulas de catecismo. Um cartão de oração com sua conhecida oração mariana estava no livro de orações de minha mãe. Havia um “Centro Newman para Católicos” na vizinha Universidade Estadual. Presumi que o ministro anglicano convertido, que causou comoção em Oxford, era ortodoxo e digno de elogios.
Só nos últimos 10 anos comecei a perceber que existe uma diferença entre o mito sobre o Cardeal Newman e a realidade. O mito americano, nutrido em antologias de sermões, orações e ditos de Newman, apresenta um Padre e professor piedoso, devocional e pastoral. A realidade é diferente.
Newman era um homem complexo e controverso, universalmente considerado um liberal, em sua época, quase sempre em um cabo de guerra com Roma, quase sempre em oposição às autoridades ortodoxas Dela. Suas posições revolucionárias não foram divulgadas aos católicos de nosso século porque suas biografias minimizaram ou justificaram suas posições liberais e inclinações heterodoxas — ou foram escritas do ponto de vista liberal.
(...) Neste livro [“Another Look at Cardinal John Henry Newman”, de Richard Sartino], (...) o autor insiste que os católicos devem olhar para a obra e o pensamento do homem [Cardeal Newman] como um todo, não apenas para algumas de suas orações e sermões.
“O homem mais perigoso da Inglaterra”
O que encontramos neste livro é o Newman que defendeu a abertura no pensamento teológico e um papel mais amplo para os leigos, na Igreja. Sobre o crescimento da Doutrina, ele afirmou que a Revelação foi dada, de acordo com o plano divino, como uma semente destinada a crescer ao longo dos séculos. Newman estava convencido de que a consciência humana teria um papel tão decisivo na Doutrina que deveria ser vista como um mediador entre Dogmas definidos e conhecimento individual, posição formalmente condenada pela Igreja. Ele era abertamente hostil ao Syllabus contra o liberalismo [documento escrito pelo Papa Pio IX, condenando os principais erros contra a Fé Católica] e à definição de infalibilidade papal [Verdade de Fé desde os primórdios do catolicismo e estabelecida como Dogma no Concílio Vaticano I] porque não conseguia conceber uma verdade teológica imutável.
Sartino nos diz: “o melhor testemunho que temos de seu liberalismo é, ironicamente, o “consensus fidelium” [“consenso dos fiéis”] do Século XIX d.C., em particular a Cúria Romana e o Soberano Pontífice Pio IX.” (Pág. 36)
Cardeal Manning
Teólogos ortodoxos como os jesuítas Giovanni Perrone e JB Franzelin se opuseram às suas ideias. Os autênticos ultramontanos daquela época — Cardeal Manning, Frei Faber, Monsenhor Talbot e WG Ward —, todos suspeitavam de um ou outro dos escritos e esquemas de Newman. Monsenhor Talbot chegou a chamá-lo de "o homem mais perigoso da Inglaterra". (Pág. 5)
O profundo antagonismo entre o Cardeal Manning e o liberal Cardeal Newman é geralmente minimizado por escritores conservadores, reduzido a nada mais que uma falta de simpatia entre Newman, o teólogo, e Manning, o pastor prático; entre Newman, um estudioso temperamental, com um tom um tanto feminino, e Cardeal Manning, o viril homem ao ar livre.
A forte oposição era, de fato, baseada em diferenças doutrinárias. Sartino relata este interessante incidente, registrado por JEC Bodley, sobre um encontro que teve com Manning:
"A conversa mudou para um terreno teológico, e o tom de Manning mudou. 'Por uma observação que você fez', disse ele, 'deduzo que você tem a impressão de que o Dr. Newman é um bom católico. Respondi que essa era minha vaga crença. Ele respondeu: 'ou você é ignorante da Doutrina católica ou das obras do Dr. Newman.' — ele sempre disse 'Dr. Newman’, ao estilo de Oxford, e nunca lhe deu o título de Cardeal. Depois de me perguntar qual dos livros de Newman eu havia lido, ele começou a marcar em seus dedos afilados, em sua maneira usual, dez heresias distintas a serem encontradas nas obras mais lidas do Dr. Newman." (Pág. 7)
Mais tarde, Sartino relaciona — apenas em seu livro “Grammar of Assent” — oito ensinamentos filosóficos que a Igreja sempre sustentou e Newman rejeitou. (Pág. 13) Ele começa com a afirmação de Newman, de que o concreto é superior ao abstrato, o prático é superior ao especulativo. Ele [Newman] também sustentou que os Dogmas e Doutrinas da Igreja devem ser interpretados de uma forma subjetiva, em vez de serem apreendidos objetivamente. Para Newman, não havia princípios imutáveis.
É triste dizer, mas foi por esse subjetivismo na Doutrina — que, hoje, é chamado de “riqueza do pensamento de Newman” — que ele [Cardeal Newman] é considerado um precursor do Concílio Vaticano II. Manning, de fato, estava certo: ele havia lido Newman cuidadosamente, à luz da teologia católica, e condenado seus escritos de acordo com isso.
Oponente da infalibilidade papal e do Syllabus
O Papa Pio IX não confiava em Newman e se recusou a lhe dar o chapéu de Cardeal. Ele foi movido por apenas algum ânimo pessoal contra o convertido anglicano? De forma alguma, pois, como Sartino mostra claramente, o Sumo Pontífice tinha fundamentos legítimos para suas suspeitas.
Newman criticou abertamente a infalibilidade papal. Quando foi declarada como um Dogma, ele escreveu “nunca esperei ver um escândalo desses na Igreja” e afirmou que foi orquestrado por aqueles que “desejavam a queda da Igreja”. Ele aceitou com relutância o Dogma, mas previu que chegaria o dia "em que toda a Igreja seria ouvida" e os instintos e ideias católicos "seriam assimilados pela tradição viva dos fiéis". (Pág. 36) Na verdade, esse dia veio, com o Concílio Vaticano II, um século depois.
Quando o Papa Pio IX publicou o “Syllabus Errorum” contra os múltiplos erros modernos, Newman também relutou em aceitar seu conteúdo e criticou-o, novamente colocando-o em confronto aberto com o Cardeal Manning, Monsenhor Talbot e WG Ward. O “sofrimento” que veio da oposição aos “Três Alfaiates de Tooley Street” seria grande: Newman escreveu sarcasticamente a seus companheiros: “mas vale a pena o sofrimento, se nos opusermos efetivamente a eles [três]”.
Sartino continua:
“em um de seus escritos, Newman afirmava que o Syllabus não era vinculativo como objeto de Fé, ou seja, como uma coleção de condenações decretadas no passado; não era vinculativo de per si. Isso permitiu que ele se esquivasse do Decreto com tato, mas podemos perguntar por que o mesmo não poderia ser aplicado ao Credo, que também é um Símbolo ou coleção de Dogmas divinamente revelados.” (Págs. 25-26)
As críticas de Newman ao Magistério tradicional aumentaram depois de 1870. Embora exteriormente ele sempre professasse obediência a ele, interiormente admitia dissidência. Ele aconselhou seus amigos liberais a terem paciência: “tenhamos fé, um novo Papa e um Concílio reunido podem ajustar o barco”. (John R. Connolly, John Henry Newman: uma visão da Fé Católica para o novo milênio, Pág. 132.)
Linguagem ambígua e ortodoxia questionável
Os elogios dos progressistas a Newman e sua influência no Concílio Vaticano II são tão intermináveis quanto as justificativas feitas pelos conservadores que tentam provar sua ortodoxia [do Cardeal Newman]. Acredito que uma das razões para a confusão é a linguagem ambígua que Newman cuidadosamente empregou para introduzir um pensamento novo e perigoso, por um lado, e para evitar uma condenação total de Roma, por outro.
Sua linguagem elástica deu aos católicos liberais um trampolim para seguir em frente, enquanto os conservadores podiam gastar seu trabalho demonstrando como o pensamento de Newman poderia ser interpretado à luz da Tradição. Parece muito familiar para os católicos tradicionais de nossos dias, que estão vendo o mesmo cenário em relação ao Concílio Vaticano II.
As crenças de Newman, descritas em suas duas principais obras, “The Development of Christian Doctrine” (1845 d.C.) e “The Grammar of Assent” (1875 d.C.), trouxeram o liberalismo para a Igreja. Sartino analisa cuidadosamente as ambiguidades em ambas e apresenta suas consequências perigosas contra a Fé.
Por exemplo, sua posição subjacente em “The Grammar of Assent” revelou uma aversão à teologia tomista, por ser abstrata e impessoal. Escolhendo com cautela suas palavras ele pretendia “demonstrar” que existe uma outra maneira de se chegar ao conhecimento de Deus. O propósito de seu tratado é apoiar o subjetivismo e a liberdade de consciência, estabelecendo um modo subjetivo de assentir à verdade [heresia da relativização da verdade], que não pode ser experimentado por [cada um] exatamente da mesma maneira.
Newman afirmou continuamente que seu “novo jeito” não negava o antigo [concernente ao anglicanismo]. Ele chamou seu caminho de assentimento real ao concreto acompanhado de imagens vívidas, distinguindo-o do que ele chama de assentimento nocional, o método tradicional baseado em “meras” noções abstratas. Com efeito, explica Sartino, o que ele disse é que verdade e Dogma são uma coisa, enquanto uma religião real, viva e pessoal é outra; o que os teólogos percebem é uma coisa, o que os fiéis “vivos” entendem e interpretam é outra coisa; a teologia é uma interpretação do Dogma, a religião viva é outra interpretação.
Sartino explica as consequências enormes e mortais do novo método de consentimento de Newman:
“O efeito dessa falsa dicotomia é a abertura de uma porta [que convida] o católico pensar de uma maneira e agir de outra, pois ela separa a mente contemplativa do homem (que para Newman é governada apenas por consentimentos nocionais) de seu intelecto prático (o reino dos verdadeiros consentimentos de Newman). (...) De acordo com essa visão, um homem pode interpretar o Dogma 'Jesus Cristo é o Filho de Deus' de duas maneiras: seja como uma Doutrina abstrata, objetiva e indiferente para quem a crê, seja como um 'fato' religioso concreto que é significativo para quem a aceita. O erro dessa posição está em definir uma verdade teológica em relação à pessoa, como se algo do crente entrasse na definição da verdade teológica. A verdade, consequentemente, torna-se dependente da pessoa; isto é, relativa.” (Pág. 14).
Isso explica a hostilidade de Newman ao Syllabus e ao dogma da infalibilidade pontifícia, pois ele não conseguia conceber como alguém poderia dar um assentimento absoluto e incondicional a uma verdade teológica rígida e imutável. Sartino continua: “outra consequência terrível dessa posição é que a religião 'viva' (ou religião ‘concreta’) assume importância primordial, enquanto Dogmas e verdades teológicas tornam-se secundários.” (Pág. 15)
Disso vem a heresia modernista de que Dogmas são meramente fórmulas provisórias cuja utilidade é determinada, não por eles mesmos, mas por sua aplicação prática e relevante para o aqui e agora, e a norma de sua aplicação prática é a pessoa. Toda a teologia está virada de cabeça para baixo.
Precursor do Concílio Vaticano II
Onde Newman encontrou apoio e companhia agradável? Em seu próprio tempo. Estava entre os liberais declarados, tais como o excomungado beneditino Döllinger, [além de] Lord Acton, que estavam determinados a minar a Fé.
A fama e a influência que sobrevieram [ao Cardeal Newman] após a sua morte não se deveram à sua ortodoxia, mas, precisamente ao contrário, pelo seu liberalismo. Na primeira metade do Século 20, foram os movimentos intelectuais modernistas que defenderam seu pensamento como “à frente de seu tempo”. “Newman era um homem muito diverso. Uma cartilha de infidelidade poderia ser compilada de suas obras", disse Thomas Huxley. (Pág. 34)
Hoje, é o progressivismo que apoia Newman como um de seus profetas. Um entusiasta contemporâneo nos diz que o conceito de Newman, [acerca] de uma revelação universal, é paralelo aos de Hans Urs von Balthasar, Karl Rahner e Richard Niebuhr [o primeiro e o segundo são Sacerdotes modernistas, ligados ao Concílio Vaticano II e pós-Concílio; o terceiro é protestante]. (Francis McGrath, John Henry Newman: Universal Revelation, Pág. 21)
A “Scholarly Boston Encyclopedia of Western Theology” [afirma] que a compreensão de Newman, [em relação] à religião natural, e sua expressão "criptocristãos" — referindo-se àqueles que concordaram com tudo a que foram expostos à verdadeira religião — antecipou o entendimento de "Cristãos Anônimos” de Karl Rahner [tese herética e absurda, a qual defende que todo não-católico é um cristão anônimo, ou seja, um cristão inconsciente. Visa fomentar o ecumenismo e a relativização do Santo Dogma da Justificação (condenação e salvação das almas)].
Avery Dulles encontra elementos na teologia de Newman que, [segundo Dulles], facilitaram o desenvolvimento do ecumenismo. Ele ressalta que Newman tinha um grande desejo de restaurar a unidade de todas as igrejas cristãs. Sua opinião sobre a liberdade de consciência o tornou sensível às crenças religiosas de outros cristãos e ele estava alerta para não perturbá-los em sua fé. A isso Avery acrescenta que Newman tinha uma "medida de apreço pela operação da graça em outras comunhões cristãs." [E, ainda,] afirma que Newman foi um “precursor no limiar de uma nova era ecumênica.” (Avery Dulles, John Henry Newman, Pág. 140)
O que todos os entusiastas de Newman insistem é que seus “insights” sobre a natureza da Igreja, o desenvolvimento teológico do Dogma, a consciência pessoal, os leigos, a revelação universal e a [livre] interpretação bíblica estiveram no cerne da obra do Concílio Vaticano II. Como afirmou o [periódico] progressista londrino “The Tablet”, em um editorial que celebrava a beatificação de Newman: “ser um ‘Católico Newman’ é endossar o Concílio [Vaticano II], pois foi esse o mais inglês dos Santos Homens, que forneceu sua inspiração fundamental.” (The Tablet, 30 de junho de 2007 d.C., Pág. 2)
Olhando mais de perto
Não é nenhuma surpresa que a Igreja Conciliar esteja clamando pela canonização de Newman. Que Bento XVI o promova sem ressalvas também é compreensível, dadas suas visões sobre a revelação subjetiva, o ecumenismo, a evolução dos Dogmas, a liberdade religiosa e o [livre] estudo bíblico [ele foi beatificado pelo Papa Bento XVI e canonizado por seu sucessor, Sumo Pontífice Francisco. O texto trata da questão como probabilidade porque foi escrito anteriormente aos fatos.].
O que não é compreensível é o número de católicos tradicionalistas que seguem [essa] linha, aceitando Newman por motivos sentimentais ou secundários, ignorando que ele foi um precursor do Concílio Vaticano II e suas consequências desastrosas.
Acredito que é hora de dar uma nova olhada em Newman. Um bom lugar para começar é com esse livro [“Another Look at Cardinal John Henry Newman”, de Richard Sartino] que analisa [o Cardeal Newman] como um todo.
† † †
Margaret C. Galitzin
Resumo do livro “Brownson's Quarterly Review”, de Orestes Brownson, cujo autor escreveu em resposta à “Essay on Development of Doctrine”, de John Henry Newman.
Download do livro: 02
Em 1846 d.C., Orestes Brownson escreveu uma crítica contundente do “Essay on Development of Doctrine” sobre o Desenvolvimento da Doutrina Cristã de John Henry Newman. O famoso convertido americano era católico havia dois anos; seu homólogo anglicano Newman havia entrado na Igreja um ano antes.
Orestes Brownson
“Essay on Development of Doctrine”, o último dos trabalhos de Newman na Universidade de Oxford, foi escrito em fevereiro de 1843 d.C., em seu esforço para resolver o que ele via como mudanças feitas ao longo da história na Doutrina Católica. Nele, ele afirmou sua convicção de que, em seus Dogmas, a Doutrina Católica se desenvolve à medida que o Espírito Santo ajuda a Igreja a compreender a verdade implícita no desenvolvimento apostólico. Usando doutrinas sobre a supremacia papal, o culto da Santíssima Virgem, o Purgatório e a invocação dos santos, ele afirmou que elas se desenvolveram a partir da Tradição da Igreja Primitiva e eram continuações autênticas do “processo de dogmatização” em funcionamento nos primeiros concílios.
Ele deixou o “Essay on Development of Doctrine” incompleto, parando no meio de um capítulo, aparentemente tendo justificado o passo que resolvera dar. Ele e seu companheiro de longa data, Ambrose St. John, entraram na Igreja e partiram para Roma para estudar para o sacerdócio católico. Deve-se notar que, em Roma, as opiniões de Newman [acerca do] “Essay on Development of Doctrine” foram recebidas com aguda suspeita.
Mesmo do outro lado do oceano, em nossa América mais liberal, a ideia de Newman, de uma evolução do Dogma, foi vista em muitos setores como uma ameaça à ortodoxia. Os Bispos de Nova York, Louisville, Cincinnati e Pittsburg expressaram suas discordâncias com essa noção de desenvolvimento, defendendo a posição do teólogo Bossuet, de que a variação e a mudança eram, em si mesmas, características do protestantismo e do erro. Foi, de fato, o Bispo John Fitzpatrick, de Nova York, quem encorajou Brownson a fazer sua crítica ao “Essay on Development of Doctrine”, de Newman, o que lhe rendeu a gratidão de muitos Prelados americanos.
Desenvolvendo o protestantismo na catolicidade
Brownson começou sua crítica observando que a coisa mais apropriada para Newman fazer com seu “Essay on Development of Doctrine” era enterrá-lo. Foi, afirmou ele, um grande erro apresentá-lo ao público. Já que Newman havia se convertido e [alimentado-se] do “alimento dos anjos” [referência à conversão e acesso ao Sacramento da Eucaristia], ele deveria abandonar sua teoria protestante, que era desnecessária e inadmissível. No esforço sério de Newman "para transformar o protestantismo no catolicismo", ele inventou uma teoria que era "essencialmente anticatólica e protestante". (Págs. 2-3)
John Newman e Ambrose St. John
O maior erro de Newman, sustentou Brownson, foi não distinguir entre o Dogma Cristão — que não evolui — e [algumas situações burocráticas] da Igreja, que mudam. A premissa de Newman, entretanto, é que há um crescimento perpétuo, ou aumento e expansão contínuos da Doutrina Cristã, ganhos obtidos com as investigações da Fé e ataques de heresia.
Essa teoria abala os alicerces da Fé, afirmou Brownson. A declaração de Newman, de que a Igreja "saiu às pressas, sua massa sem fermento, seu Credo incompleto, seu entendimento da Fé imperfeito, ignorante" é falsa. (Pág. 6) O que a Igreja ensina é que a Revelação foi dada completa, e não houve nenhum desenvolvimento ou evolução do depósito original.
Como a Igreja foi orientada a fazer acréscimos e mudanças? Mais uma vez, Newman elaborou outra teoria estranha, dizendo que a Igreja “elaborou” a Verdade Dogmática a partir de sentimentos implícitos. Por exemplo, na Doutrina do Purgatório Ela “tinha um sentimento vago, mas intenso da verdade”, que mais tarde foi “digerido em proposições formais ou artigos definidos.” (Pág. 8)
É absurdo, Brownson acusou, basear o depósito da Fé em algo tão mutável quanto "sentimentos intensos". Se assim fosse, hoje, um Artigo de Fé poderia dar origem a um novo sentimento, que, depois, se transformaria em opinião e, finalmente, numa época posterior, [poderia] se impor como verdade dogmática. Tal visão, se seguida, “suprimiria inteiramente a autoridade de ensino apropriada da Igreja, competente a qualquer momento para declarar infalível o que é a verdade exata revelada.” (Pág. 8)
Cristianismo como 'uma ideia'
Brownson também objetou à visão de Newman, de que o Cristianismo veio ao mundo como uma “ideia”, ao invés de uma instituição. O Cristianismo, diz Newman, "veio ao mundo como uma ideia, em vez de uma instituição, e teve que se envolver em roupas e se equipar com uma armadura de Sua própria provisão, e formar os instrumentos e métodos de Sua própria prosperidade e guerra." (Pág. 9). De acordo com Newman, o Cristianismo foi lançado sobre a grande multidão de homens, para ser desenvolvido e corporificado pela ação de suas mentes, estimulado e dirigido pela mente humana.
Tal visão, Bronson rebateu, implicava que a mente formou os Dogmas, tornando-Os um produto do esforço humano, à medida que a mente, gradualmente, desenvolveu uma compreensão mais clara da ideia e criou formas para concretizar a ideia. Nesse caso, não apenas os Dogmas que Ela impôs, mas também os preceitos morais que ensinou, as instituições que estabeleceu e os ritos que prescreveu seriam todos supostamente produtos da mente humana. Assim, eles podem ser governados, modificados, aumentados ou contraídos [pelo Homem], a seu bel-prazer (Págs. 9-10).
Não! — Brownson objetou. O Cristianismo nasceu de uma Revelação original, plena e completa em si mesma, e não apenas [de] uma ideia que precisava ser realizada ou atualizada pela mente humana através dos tempos.
Heresias a serviço da Igreja
Brownson ficou muito ofendido com a atitude de Newman, [o qual afirmara] que as heresias haviam prestado um serviço essencial à Igreja, permitindo-lhe desenvolver e compreender plenamente o sagrado depósito da fé. “Ele não vê nenhum pecado peculiar nelas”, acusou Brownson, mas considera que elas “antecipam a Igreja” e a ajudam “a revelar e insistir em algum aspecto particular da verdade, antes que chegue sua hora, antes que ela a alcance no curso normal de desenvolvimento.” (Pág. 13).
Ele citou Newman elogiando o montanismo como "uma notável antecipação ou presságio de desenvolvimentos que logo começaram a se manifestar na Igreja.” Newman afirmou que "os profetas dos montanistas prefiguraram os Doutores da Igreja" e o próprio heresiarca era a "antecipação de São Francisco"; a heresia novaciana antecipou o pensamento de São Bento ou São Bruno (Pág. 13). Com efeito, Newman defendeu que a ortodoxia é supostamente formada a partir da “matéria-prima” fornecida pelos hereges.
Brownson observou: "é singular que nunca tenha ocorrido ao Sr. Newman que possivelmente a visão herética que ele parece admirar tanto é simplesmente corrupção de Doutrinas que a Igreja ensinou antes delas [aparecerem], e que heresia é a corrupção da ortodoxia, e não sua matéria-prima.” (Pág. 14).
Brownson passou a criticar a suposição de Newman, de que o Apocalipse foi, primeiro, feito exclusivamente por meio da palavra escrita, outra noção protestante que ele tentou catolizar. Ele também argumentou contra a visão profundamente naturalista da história humana e eclesiástica que caracteriza o “Essay on Development of Doctrine” de Newman. Brownson também não ficou impressionado com os sete critérios muito proclamados de Newman, para provar a autenticidade ou falsidade da “doutrina desenvolvida”. Ele percorreu o [tema], submetendo-os a seus próprios testes, encontrando-os defeituosos e deficientes. (Págs. 4-5).
Teorias aceitas como fatos
A crítica de Brownson ao “Essay on Development of Doctrine” tem recebido pouca atenção do público católico, especialmente em círculos conservadores e tradicionalistas, geralmente tão zelosos em proteger a ortodoxia. Isso é lamentável, em minha opinião, por várias razões.
Em primeiro lugar, a crítica de Brownson é escrita com maestria e sua lógica [é] irrepreensível; mostra claramente as posições de Newman, que se desviam do catolicismo ortodoxo. Qualquer pessoa que ler sua resenha — e vale a pena o esforço — também apreciará a polidez de Brownson, que repetidamente afirmou que sua crítica foi baseada na tese de Newman e não em sua pessoa. Além disso, Brownson convidou Newman a corrigi-lo, caso ele se enganasse em sua avaliação, mas Newman nunca respondeu ao desafio. Ele viu essa crítica como um ataque pessoal, fazendo comentários rudes a amigos, sobre o "ianque meio convertido" e o "teólogo leigo autodidaktoi (autoproclamado)". (Patrick Carey, Orestes A. Brownson: Cata-vento religioso americano, Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans Pub. Co., 2004 d.C., Pág. 176)
A última crítica é inconsistente, uma vez que ele sempre apoiou a posição liberal de aumentar o papel do teólogo leigo na Igreja. Mas Newman também tinha uma tendência bem documentada de guardar rancor amargo contra qualquer um que criticasse suas obras.
Em segundo lugar, Brownson previu um perigo futuro, caso a teoria de Newman fosse aceita na Igreja. A menos que sua teoria fosse renunciada, afirmou Brownson, ela acabaria levando o próprio Newman para fora da comunhão com a Igreja ou, muito pior, seria erroneamente absorvida pela Igreja Católica (Pág. 1).
Na verdade, o último aconteceu. Seu trabalho “pioneiro” estabeleceu a ideia do desenvolvimento do Dogma como um princípio posteriormente sustentado pelos modernistas. Pegado pelos progressistas, foi consagrado no Vaticano II, invocado tanto na Declaração de Liberdade Religiosa quanto na Constituição da Revelação. (Avery Dulles, John Henry Newman, Londres: Continuum, 2002 d.C., Pág. 154)
Newman alegou que ele estava simplesmente mostrando que a Igreja Católica de seu tempo estava em continuidade com a dos Apóstolos e dos Padres [Padres da Igreja/Pais da Igreja/Patrísticos]. Mas o Vaticano II fez o que Brownson temia que pudesse acontecer — ele usou essa "teoria" para justificar novos avanços e mudanças reais na Doutrina, como seu ensino sobre liberdade religiosa. A jesuíta Avery Dulles destacou Newman como antecipando o pensamento de Karl Rahner, "no sentido de que toda proclamação dogmática não é apenas um fim, mas também um começo." (Avery Dulles, John Henry Newman, Londres: Continuum, 2002 d.C., Pág. 102)
Alguém poderia objetar que essa obra [“Essay on Development of Doctrine”] foi escrita [pelo] Newman protestante e, portanto, deveria ser desconsiderada como irrelevante após [sua] conversão ao catolicismo. A objeção seria pertinente se ele tivesse rejeitado suas teorias ou as enterrado, como sugeriu Brownson. Ao contrário, ele ofereceu a obra ao público e continuou a defender sua tese até o fim de sua vida. Portanto, a objeção é inválida.
A maioria dos católicos americanos não leu as obras teológicas suspeitas de Newman, como o “Essay on Development of Doctrine”, sobre o Desenvolvimento da Doutrina. Sua fama e popularidade dependem de suas cartas e sermões sobre piedade e devoção religiosa. Que aqueles católicos bem-intencionados dediquem algum tempo para ler pelo menos a crítica de Brownson ao “Essay on Development of Doctrine”, de Newman, e eles poderão começar a questionar a ortodoxia do "oráculo de Littlemore." Eles também podem começar a se perguntar se a beatificação de Newman, corretamente chamado de Pai do Vaticano II pelos próprios progressistas, tem o propósito subjacente de dar o impulso necessário ao Concílio, [no] momento em que a insatisfação com ele está aumentando significativamente.
† † †
CARDEAL NEWMAN: EVOLUCIONISMO E OUTROS ERROS
Detenho-me, brevemente, acerca de um ponto o qual não fora abordado por Margaret C. Galitzin nem por Orestes Brownson, nos supracitados textos, e que, não obstante, julgo deveras indispensável para se conhecer a cosmovisão “newmaniana”: trata-se do evolucionismo.
O tema é complexo e, aqui, não aprofundar-me-ei no âmbito, uma vez que há um opúsculo meu a tratar exclusivamente dessa malévola acepção da vida, a qual ataca frontalmente o Criacionismo Divino, defendido pela Santa Tradição Católica há mais de dois mil anos; registrado, inclusive, nos dois primeiros capítulos das Sagradas Escrituras, em Gênesis; corroborado pelos maiores Santos e Doutores da Santa Igreja. — E discordar da Sã Doutrina, distar-se da Bíblia, dos documentos infalíveis advindos do Magistério Ordinário e Extraordinário, é apartar-se da adesão e submissão à integralidade dos Santos Dogmas, obrigatórias a todo católico, o que se configura heresia.
Por ora, cumpre-me registrar (e o faço com pesar) que o Cardeal Newman era simpático às perniciosas ideias evolucionistas — e não somente no âmbito material, senão, outrossim, no espiritual.
O escritor Richard Sartino, em seu e-book “Another Look at John Henry Cardinal Newman”, aborda a opinião de V. Em.ª, acerca de Darwin:
“A teoria de Darwin não chocou Newman; ele disse a um correspondente que estava disposto a ‘ir até o fim com Darwin’ [‘to go the whole hog with Darwin’]. É importante entender o estado de espírito de Newman, em relação às falsas teorias da evolução, para entender suas noções de desenvolvimento. O livro de Darwin, Origem das Espécies, apareceu em 1859 d.C., época em que os homens educados e a sociedade em geral zombavam da ideia da evolução humana, deixando tais noções para os poucos teóricos científicos loucos, mas a mente empírica de Newman e a desconfiança da filosofia racional o dispuseram a aceitar de todo o coração as noções de evolução. Ele estava contemplando a evolução, não do Homem, mas da religião, muito antes do aparecimento do livro de Darwin; seu primeiro sermão sobre o desenvolvimento do cristianismo foi pregado em 1843, enquanto ele ainda era anglicano, e, dentro de dois anos, o 'Um ensaio sobre o desenvolvimento da doutrina cristã' ['An essay on the development of christian doctrine'] foi publicado, com Newman entrando na Igreja [Católica] ao mesmo tempo.” (Richard Sartino, e-book “Another Look at John Henry Cardinal Newman”.)
Em seguida, Richard faz um paralelo entre as duas teorias: de Newman e de Darwin:
“Newman foi um pioneiro dessa nova doutrina, que chocou tanto anglicanos quanto católicos. Os teólogos, até então, nunca haviam considerado suas ideias de desenvolvimento, embora muitos — antes dele — contemplassem justamente o aumento místico e sobrenatural dos tesouros da Igreja [aqui, discordo veementemente dessa exposição do autor Richard Sartino, que não deixa claro se concorda ou discorda da questão do “desenvolvimento da Fé”. O que quis ele dizer com “embora muitos — antes dele — contemplassem justamente o aumento místico e sobrenatural dos tesouros da Igreja”? Óbvio que evolucionismo teológico não existe. O que é revelado por Deus não muda, porque o Criador é imutável. Não há um Dogma Católico ensinado por Cristo e, mil anos depois, uma decisão da Santa Sé desacreditando-O. Isso não acontece, especialmente porque o Espírito Santo não o permite, sendo Ele o guardião e condutor do catolicismo. E os acontecimentos místicos são exatamente a corroboração das verdades contidas na Santa Igreja; são confirmações das imutáveis verdades de sempre e jamais novas verdades.]. A diferença entre Newman e teólogos anteriores, neste assunto, é que Newman considerou apenas o aspecto material do crescimento da Igreja, não indo além da história temporal de Sua vida [existência da Santa Igreja Católica] na Terra. Os teólogos anteriores, por outro lado, haviam considerado o aspecto formal da Igreja: um ponto de vista vital para o crente que é obrigado a ver as coisas com um olhar sobrenatural. Newman via a Igreja à luz da História, enquanto os católicos vêem a História à luz da Igreja. Imerso em um [âmbito acadêmico] dos mais convictos historicistas, cujo ceticismo impregnava os pensadores da época, Newman seguiu seu exemplo e muitas vezes manteve correspondência com os piores deles, como Dollinger e Acton. A posição deles confinou a Igreja à Sua história, e Sua história às suas mentes céticas e críticas. Para esses homens, o trabalho da mente católica não é meditar e adorar a Cristo nas verdades eternas da Igreja, mas submeter essas verdades à análise histórica. O que é importante para eles não é a Encarnação, mas o desenvolvimento da ideia da Encarnação. Tudo isso, é claro, nada mais é que aquele orgulho antigo pelo qual a mente do Homem [pretende se tornar] a medida da Religião. Com isso em mente, podemos entender por que Newman aceitou tão facilmente os erros de Darwin, pois não havia nada de incompatível entre a evolução do Homem e a evolução da Religião e da Doutrina. Pelo contrário, ambas se complementam para formar uma visão harmoniosa de toda a criação [o autor dá a entender ser essa a visão do Cardeal Newman, acerca das duas teorias, da Religião e da Evolução]. De fato, assim como todos os erros começam na parte mais alta da alma, antes de exercerem sua influência universal sobre as faculdades e ciências subordinadas, assim a evolução da Doutrina Eterna precede os erros menos radicais sobre a evolução do Homem e das instituições sociais É compreensível e apropriado, portanto, que a nova tese de Newman tenha precedido a ‘Origem das Espécies’ [‘Origin of Species’] por dezesseis anos. Enquanto a mente do Homem estiver firmemente enraizada nas verdades imutáveis e eternas da Fé, [nunca surgirá ocasião que o fará] cair em qualquer tipo de erro evolutivo [aqui o autor explicita seu posicionamento acerca da falácia do “desenvolvimento da Fé”; e o faz em consonância com a Sã Doutrina.]. Vários autores dão testemunho das ideias evolucionárias de Newman. Um certo Mark Pattison, que conhecia Newman, disse que [esse último] via todo o desenvolvimento da razão humana, de Aristóteles a Hegel, como um livro fechado; e, em ‘Estudos sobre o Modernismo’, Alfred Fawkes também acredita que 'Um ensaio sobre o desenvolvimento da doutrina cristã' ['An essay on the development of christian doctrine'] é uma antecipação impressionante da ‘filosofia da evolução’; a aplicação disso à teologia marcou um ponto de virada no pensamento religioso [dos heresiarcas e pagãos, evidentemente, porque o católico rechaça tais bizarrices filosóficas e teologais. O autor, certamente, pensa dessa maneira, mas novamente não se expressa com a devida clareza.]. E outro autor, Percy Gardner, em [‘Modernismo na igreja inglesa’] ‘Modernism in the english church’, afirma que ‘isso mostra a grandeza de Newman, [uma vez que], antes de Darwin ter apresentado sua teoria da evolução, uma amostra dela aparece em 'Um ensaio sobre o desenvolvimento da doutrina cristã' ['An essay on the development of christian doctrine']’. As aberrações de Newman eram tão graves que um dos maiores teólogos romanos vivos da época, Pe. Franzelin, SJ, escreveu um tratado inteiro, ‘De Divina Scriptura et Traditione’ [Sobre a Divina Escritura e Tradição], a fim de combater o que ele considerava o afastamento de Newman da Fé.” (Richard Sartino, e-book “Another Look at John Henry Cardinal Newman”.)
E Richard Sartino, no trecho a seguir, confronta a teoria de V. Em.ª Cardeal Newman, diretamente:
“Toda a força e implicação do pensamento de Newman são encontradas em sua doutrina conhecida como 'Um ensaio sobre o desenvolvimento da doutrina cristã' ['An essay on the development of christian doctrine']. [Oriundo de suas características pessoais e de vida], esse ensinamento específico de Newman contém sua ambiguidade e ambivalência, in toto [totalmente/em tudo], tanto que seduz os campos de pensadores mais opostos. Seu apelo é universal; para liberais e ortodoxos, para protestantes e católicos, para crentes e infiéis. Homens de todas as convicções encontram suas opiniões expressas nessa doutrina, pois ela é tão flexível quanto a lógica supostamente transcendente e pessoal de Newman. A essência da posição de Newman consiste em conciliar duas proposições contraditórias: primeiro, que o cristianismo é imutável e, segundo, que o cristianismo está mudando. Contradições aparentes sempre podem ser reconciliadas por uma distinção racional legítima [nem sempre, mas, aqui, o autor parece querer asseverar que, quando é o caso, costuma haver explicação que o elucida], mas Newman não tenta fazer isso. Sua ‘Doutrina do Desenvolvimento’ não afirma que o cristianismo é imutável em um aspecto e mutável em outro, e, então, delineia as diferenças e propriedades consequentes das várias distinções. Ao contrário, a posição de Newman admite simultaneamente — e no mesmo sentido — que o cristianismo é mutável e imutável. Realizar uma tarefa ‘tão formidável’ não é realmente muito difícil, pelo menos para uma mente apaixonada pela experiência concreta da vida.” (Richard Sartino, e-book “Another Look at John Henry Cardinal Newman”.)
Corrobora tal assertiva a pena do próprio Cardeal Newman:
“Aqui, então, concedo aos oponentes do cristianismo histórico, que se encontram durante os 1800 anos em que durou, certas aparentes inconsistências e alterações em sua Doutrina e seu Culto, tais como atrair irresistivelmente a atenção de todos os que indagam acerca disso. Eles não são suficientes para interferir no caráter geral e no curso da Religião, mas levantam a questão de como surgiram e o que significam e, consequentemente, forneceram matéria para várias hipóteses. Destas, uma é no sentido de que o cristianismo sempre mudou desde o início e sempre se acomoda às circunstâncias dos tempos e das estações; mas é difícil entender como tal visão é compatível com a ideia especial da verdade revelada e, de fato, seus defensores, mais ou menos abandonam, ou tendem a abandonar, as reivindicações sobrenaturais do cristianismo; então, [tal hipótese] não precisa nos deter aqui. Uma segunda e mais plausível hipótese é a dos teólogos anglicanos, que reconciliam e dão forma aos fenômenos exuberantes em consideração, cortando e rejeitando como corrupções todos os usos, modos, opiniões e princípios que não têm a sanção dos tempos primitivos. Eles sustentam que a história primeiro nos apresenta um cristianismo puro no Oriente e no Ocidente, e depois um corrupto; e então, é claro, seu dever é traçar a linha entre o que é corrupto e o que é puro, e determinar as datas em que as várias mudanças do bem para o mal foram introduzidas. Tal princípio de demarcação, disponível para o efeito, eles consideram ter encontrado no ditado de São Vicente de Lérins, que a doutrina revelada e apostólica é "quod sempre, quod ubique, quod ab omnibus", um princípio que separa infalivelmente, em todo o campo da história, a doutrina oficial da opinião, rejeitando o que está errado, e combinando e formando uma teologia. Que "o cristianismo é o que sempre foi mantido, em todos os lugares e por todos", certamente promete uma solução para as perplexidades, uma interpretação do significado da história. O que pode ser mais natural do que os teólogos e os corpos dos homens falarem, às vezes de si mesmos, às vezes da tradição? Nada mais natural do que individualmente dizerem muitas coisas por impulso, ou sob excitação, ou como conjecturas, ou na ignorância? Que mais certo do que todos eles devem ter sido instruídos e catequizados no Credo dos Apóstolos? O que mais evidente do que o que era próprio seria em seu grau peculiar, e diferir do que era igualmente privado e pessoal em seus irmãos? Que mais conclusiva do que a Doutrina Comum a todos, ao mesmo tempo, não era realmente sua, mas propriedade pública, na qual eles tinham um interesse comum, e foi provado pela concordância de tantas testemunhas ter vindo de uma fonte apostólica? Aqui, então, temos um método curto e fácil para trazer as várias informações da história eclesiástica sob essa probabilidade antecedente a seu favor, que nada além de suas variações reais nos levaria a negligenciar. Aqui temos uma razão precisa e satisfatória pela qual devemos dar muito valor aos séculos anteriores, mas não prestar atenção aos posteriores, por que devemos admitir algumas doutrinas e não outras, por que recusamos o Credo de Pio IV, e aceitar os Trinta e nove Artigos.” (Cardeal Newman, An essay on the development of Christian Doctrine.)
Meu acesso ao livro do Cardeal Newman se deu por meio eletrônico e via tradução mecânica, o que torna, em alguns trechos, o texto incoeso e incoerente, por conta dos erros gramaticais. Todavia, fiz uso de dois tradutores distintos e consultei um site que contém partes transcritas da referida obra, em inglês (com possibilidade de ser também traduzida virtualmente). Comparei as versões e as sintetizei, de modo a buscar a melhor, tanto quanto a conjuntura permitira-me. E, creio eu, não obstante tais pormenores, é possível depreender do conteúdo suas diretrizes; a ambiguidade; os erros teológicos; a lamentável ótica evolutiva , por meio da qual o autor concebe a Fé e a vida como um todo... — E, humilde e respeitosamente, afirmo que os equívocos doutrinais foram os pontos que mais me geraram perplexidade, lembrando que tal obra foi impressa em 1845 d.C., pouquíssimo antes de seu autor proclamar-se converso à Santa Igreja, e, mesmo depois disso, jamais renegou publicamente seus erros (falados ou escritos), mas, ao contrário, assumiu concordar com vários deles, segundo seu próprio biógrafo, conjuntura já mencionada nos supracitados textos; e, ainda assim, deram-lhe o barrete e o anel cardinalício. Eis mais um dos inúmeros fatos que corroboram a crise sem precedentes na Igreja de Cristo —.
Reflita-se acerca do que escrevera, no supracitado trecho, V. Em.ª: “aqui, então, concedo aos oponentes do cristianismo histórico, que se encontram durante os 1800 anos em que durou, certas aparentes inconsistências e alterações em sua Doutrina e seu Culto, tais como atrair irresistivelmente a atenção de todos os que indagam acerca disso. Eles não são suficientes para interferir no caráter geral e no curso da Religião, mas levantam a questão de como surgiram e o que significam e, consequentemente, forneceram matéria para várias hipóteses.”
Em primeiro lugar, gostaria imenso de saber o que quisera ele dizer com 1800 anos de duração das tais aparentes inconsistências doutrinais católicas, que afirmara ele terem existido por esses quase dois milênios. Essas ditas aparências só podem habitar a mente de néscios em teologia ou de inimigos do catolicismo ou ambos. Ora! Jesus é Deus, perfeito, inerrante, imutável. A Santa Igreja é Seu corpo místico, do qual Ele é a cabeça e os fiéis Seus membros. Logo, a Fé Católica é perfeita, inerrante, imutável, porque é o próprio Cristo — e que, por misericórdia, nos incorpora a Ele por meio Dela. Portanto, não há hipótese dessa Fé parecer ambígua, incoerente, flexível, porque é a presença da própria Santíssima Trindade.
Ainda, quanto a essa primeira parte da citação em voga, o Cardeal Newman assevera que a Santa Igreja atrai críticos para Si, por conta das tais “inconsistências e alterações em Sua Doutrina e Seu Culto”; e esses inimigos, por sua vez, defronte a isso, fornecem matéria para diversas hipóteses acerca do tema.
Indago-me: o que leva um pretenso teólogo a asseverar a existência de inconsistências e mutações na Santa Igreja e em Sua Sã Doutrina? Basta ler a Bíblia (a genuína), os documentos papais infalíveis, grandes escritos de Santos da Patrística e da Escolástica e constatar que são harmônicos; e que tal falácia protestante sobre inconsistências e afins não tem alicerce em qualquer parte da História.
Repito: só posso crer que um entusiasta em teologia, que crê e prolifera tais inverdades, só o faz por ausência de conhecimento ou por inimizade à Santa Igreja de Cristo ou ambos. Em qual dessas hipóteses V. Em.ª se encaixa eu realmente não sei — principalmente no tempo em que escrevera sua obra em discussão, já que era ainda protestante anglicano. Mas espero, sinceramente, que esteja seu caso dentro da primeira opção, e que seus equívocos não tenham sido fruto de dolo, senão de um intelecto confuso, ainda arraigado aos malévolos pilares protestantes, de onde seu autor viera, e que esse tenha se arrependido. É o que desejo: que tenha se reconciliado plenamente com Deus antes de morrer, porquanto torço pela salvação de todos e jamais o oposto — mormente no que concerne aos Padres, filhos prediletos da Santíssima Virgem.
E o Cardeal Newman, no mencionado fragmento de sua obra, segue assim: “destas, uma é no sentido de que o cristianismo sempre mudou desde o início e sempre se acomoda às circunstâncias dos tempos e das estações; mas é difícil entender como tal visão é compatível com a ideia especial da verdade revelada e, de fato, seus defensores, mais ou menos abandonam, ou tendem a abandonar, as reivindicações sobrenaturais do cristianismo; então, [tal hipótese] não precisa nos deter aqui. Uma segunda e mais plausível hipótese é a dos teólogos anglicanos, que reconciliam e dão forma aos fenômenos exuberantes em consideração, cortando e rejeitando como corrupções todos os usos, modos, opiniões e princípios que não têm a sanção dos tempos primitivos.”
V. Em.ª, na primeira sentença desse trecho, afirma que os inimigos da Santa Igreja acusam-Lha de mutável, segundo as circunstâncias dos séculos. Em seguida, considera ser mais correta a hipótese dos teólogos anglicanos, que rejeitam a inspiração e condução da Santa Fé pelo Espírito Santo, mantendo-se crentes apenas nas Sagradas Escrituras — o que é uma contradição incomensurável, já que Ela própria é parte da Santa Tradição que eles ignoram, haja vista que foi compilada em um Concílio, em Hipona, no ano de 393 d.C..
A revolta protestante eclodiu em 1517 d.C.. O que os rebelados querem fazer crer é que Deus, por mais de 1500 anos, abandonou Seus filhos à uma religião falsa (como soberbamente tratam a Santa Fé) e permitiu que eles fossem para o inferno. Apenas depois desse larguíssimo lapso temporal, revelou-Se, bem como Sua verdade, por meio de um homem ébrio, glutão, satânico, mental e espiritualmente confuso (e, quiçá, assassino): Martinho Lutero. Eis um absurdo tão tremendo que beira a mentecaptalidade — para além de blasfemo.
E, quanto à referida citação, continua o Cardeal Newman, a respeito dos protestantes anglicanos: “eles sustentam que a história primeiro nos apresenta um cristianismo puro no Oriente e no Ocidente, e depois um corrupto; e então, é claro, seu dever é traçar a linha entre o que é corrupto e o que é puro, e determinar as datas em que as várias mudanças do bem para o mal foram introduzidas. Tal princípio de demarcação, disponível para o efeito, eles consideram ter encontrado no ditado de São Vicente de Lérins, que a doutrina revelada e apostólica é "quod semper, quod ubique, quod ab omnibus" [“para sempre, para todos os lugares, para todos”], um princípio que separa infalivelmente, em todo o campo da história, a doutrina oficial da opinião, rejeitando o que está errado, e combinando e formando uma teologia.”
Quanta soberba, impiedade, confusão filosófica e desnorteamento teológico!
Primeiro, V. Em.ª assume que detêm os teólogos anglicanos a responsabilidade de julgar o cristianismo e separá-lo em dois: a parte pura e a corrompida, bem como a incumbência de apontar, na História, as datas de tais cisões. E, em seguida, assevera que tal bizarrice fora inspirada a partir de uma frase, cunhada por um dos maiores santos de que se tem conhecimento: São Vicente de Lérins.
Tais escritos demonstram claramente a histeria teológico-espiritual dos filhos do maldito Lutero: ousarem corroborar seus equívocos em baluartes da Santa Igreja.
E finaliza sua ideia com mais um infundado ataque à Santa Igreja: “que ‘o cristianismo é o que sempre foi mantido, em todos os lugares e por todos’ [‘quod semper, quod ubique, quod ab omnibus’], certamente promete uma solução para as perplexidades, uma interpretação do significado da história. O que pode ser mais natural do que os teólogos e os corpos dos homens falarem, às vezes de si mesmos, às vezes da tradição? Nada mais natural do que individualmente dizerem muitas coisas por impulso, ou sob excitação, ou como conjecturas, ou na ignorância? Que mais certo do que todos eles devem ter sido instruídos e catequizados no Credo dos Apóstolos? O que mais evidente do que o que era próprio seria em seu grau peculiar, e diferir do que era igualmente privado e pessoal em seus irmãos? Que mais conclusiva do que a Doutrina Comum a todos, ao mesmo tempo, não era realmente sua, mas propriedade pública, na qual eles tinham um interesse comum, e foi provado pela concordância de tantas testemunhas ter vindo de uma fonte apostólica? Aqui, então, temos um método curto e fácil para trazer as várias informações da história eclesiástica sob essa probabilidade antecedente a seu favor, que nada além de suas variações reais nos levaria a negligenciar. Aqui temos uma razão precisa e satisfatória pela qual devemos dar muito valor aos séculos anteriores, mas não prestar atenção aos posteriores, por que devemos admitir algumas doutrinas e não outras, por que recusamos o Credo de Pio IV, e aceitar os Trinta e nove Artigos.”
É importante, com esse exemplo, refletir acerca do quão perigosa é uma má formação. Erros primários levam a absurdos incomensuráveis. E o Cardeal Newman, em seu período anglicano, nos demonstra isso ao afirmar que é da natureza humana o pecado, a vaidade, a inclinação ao mau. Ora! Deus fez o Homem à Sua imagem e semelhança — e o Criador é límpido e impecável. Por isso Adão e Eva eram imaculados, sem mancha alguma de pecado, defecção e impureza. Todavia, após serem atraídos pelo inimigo, caíram em tentação e, somente a partir daí, a natureza do ser humano passou a estar ferida. Mas isso absolutamente não implica em sua essência ser defeituosa.
Ao contrário do que escreveu V. Em.ª, o Homem é naturalmente bom, pois é criação de Deus, e O Altíssimo é bem absoluto e não tem mau algum, nem em si e nem em sua criação, mormente na mais importante delas, que é Sua imagem e semelhança. Portanto, não tem o ser, em si, o mal, mas a consequência do pecado daquele primeiro tempo, o qual lhe contundira.
Um indivíduo que tem um dos pés com problema (por acidente ou de nascença) e, por tal motivo, esforça-se para andar de modo correto, não pode alegar que a natureza do Homem é defeituosa por tomar como exemplo uma casuística. E, ainda que todos os seres humanos, após um dado período, passassem a nascer com tal defecção, mesmo assim não se poderia afirmar que tal moléstia é natural da humanidade. Isso porque há de se analisar a origem. E essa testifica que o início não foi dessa maneira, mas o oposto, e que tal conjuntura passou a existir como consequência de grave problemática ocasionada por erro da própria espécie humana.
Assim, não é da natureza do Homem pecar, pois sua essência é boa e não má. Refriso: em verdade, é natural do pecado o mal e, por termos a hereditariedade de Adão e Eva — que eram imaculados, mas pecaram pela primeira vez —, então, por conseguinte, após isso, passou-se a existir no ser humano esse defeito (que não lhe é nato e essencial, mas acidental), o qual nos inclina ao tropeço, obrigando-nos a lutarmos incessantemente para caminharmos retamente.
O Cardeal Newman não se atentou a essa Verdade de Fé e, a partir de um erro elementar de compreensão teológica, passou a enxergar, por tal turvo prisma, diversos problemas inexistentes à sua frente. E, no trecho em voga, demonstra esse fato ao atacar a Santa Igreja, os Apóstolos, os fiéis católicos e toda a cristandade, sem qualquer fundamento lógico e teologal. — Inclusive, ao final, ele aconselha a seguir algumas doutrinas e outras não. Ora! Isso é heresia (do idioma grego, que significa “opção”, “escolha”). Só há uma Santíssima Trindade. Por conseguinte, só há uma Santa Igreja, uma só verdade, uma só Fé, uma só Doutrina. O resto é seita, falsa religião, como o é a anglicana, criada pelo Rei inglês, Henrique VIII (Século XVI d.C.), por se separar da Igreja Católica, que não consentia com suas práticas de adultério e divórcio.
É notório o obstinado foco que V. Em.ª direciona ao cristianismo histórico, pouco citando a sobrenaturalidade da Santa Igreja, a assistência do Espírito Santo à Ela, os incalculáveis milagres que A corroboram, a uníssona infalibilidade papal, que jamais conheceu contradição entre papados (em dois mil anos de cristianismo) — no que concerne às conjunturas Ex Cathedra, acerca de Doutrina e moral católica universal, praxe desse Dogma.
Essas são percepções subjetivas, adquiridas a partir da pequena parte que li da referida obra do Cardeal Newman.
Humilde e respeitosamente, considerei a experiência demasiado maçante.
Li uma parte do início e outros trechos subsequentes; uma leitura demasiado desconfortável, prolixa, morosa, de parágrafos extensos, longas sentenças, capítulos intermináveis e escassíssimas definições e posicionamentos claros e contundentes do autor, acerca dos temas abordados. — E isso já alertara Richard Sartino, em “Another Look at John Henry Cardinal Newman“, como acima mencionado, e pude comprovar a “flexibilidade teologal” desse Cardeal, já em seus últimos tempos como declarado protestante anglicano, bem como sua equivocada concepção de fé, à luz do pernicioso evolucionismo.
† † †
ALGUMAS IMPORTANTES MINÚCIAS
ACERCA DO CARDEAL NEWMAN
O Cardeal John Henry Newman, no tocante à sua vida eclesiástica — ao menos no âmbito das alocuções e escritos — ortodoxo é o que, deveras, não o fora, e o digo humilde e respeitosamente.
Teve ele a lamentável audácia de escrever contra a devoção mariana de São Luís Maria Grinion de Montfort (erro propagado na Inglaterra primeiramente pelo Sacerdote Frederick Faber). Inclusive, tinha V. Em.ª como amigo um herege protestante anglicano, de nome Edward B. Pusey, o qual escrevera um livro ("Eirenicon"), em 1865 d.C., contra tal modo de devoção à Nossa Senhora.
O Cardeal Newman mostrou-se igualmente contra a devoção e assim escreveu, em resposta pública ao amigo Pusey, distorcendo totalmente a veneração à Santíssima Virgem Maria, propagada por São Luís:
"Eu coloco longe de mim, sem nenhuma hesitação, como você gostaria, tratando como assuntos nos quais meu coração e razão não tem parte... (...) tais sentenças e frases [como você cita]: que a graça de Maria é infinita, que Deus resignou nas Suas mãos Sua Onipotência; que é seguro procurá-La que procurar Seu Filho... (…) A Virgem Maria toma seu lugar como advogada com Pai e Filho... (…) que Maria é o único refúgio daqueles com os quais Deus está irado... (…) que, à medida que somos cobertos com os méritos de Cristo, somos cobertos com os méritos de Maria... (…) que almas eleitas nascem de Deus e Maria; que o Espírito Santo leva à fecundidade Sua ação por Ela, produzindo Nela e por Ela Jesus Cristo, nos seus membros; que o Reino de Deus, nas almas, como Nosso Senhor fala, é realmente o Reino de Maria, nas almas; que Ela e o Espírito Santo produzem, na alma, coisas extraordinárias, e que quando o Espírito Santo encontra Maria numa alma Ele voa para ela [a alma]... (...) [Em relação a] sentimentos como estes eu me submeto às suas censuras; eu nunca soube deles até ler seu livro... (...) Parecem, a mim, um sonho mau. Eu não poderia conceber que poderiam ser ditos... (…) Eles opõem-se a todos os loci theologici... (...) Eles tão somente me assustam e me confundem... (...) Considero-os calculados para prejudicar inquéritos, para assustar o iletrado, abalar as consciências, para provocar blasfêmia e ajudar à perdição das almas." (The Life of John Henry Cardinal Newman, by Wilfrid Ward, Vol. II, Págs. 106-107)
É muito triste ler essas palavras. Ainda mais lamentável é saber que foram escritas por um Sacerdote, com ampla formação acadêmica, dotado plenamente de suas faculdades mentais e totalmente capaz de fazer a devida interpretação dos escritos devocionais marianos de São Luís Maria Grinion de Montfort, totalmente opostas a essas aberrações pseudoteológicas e pseudointelectuais.
Prefiro nem imaginar o que São Luís, um dos maiores luminares do Século XVII d.C. e grande missionário na França, diria ao supracitado Cardeal, caso houvesse a oportunidade de estar frente à frente e a sós: o primeiro, portando suas obras, que ratificam o culto bi-milenar de hiperdulia (veneração à Nossa Senhora), ensinado pela Santa Igreja desde os Apóstolos, nos primórdios do catolicismo; e o segundo, tendo à mão seus escritos, cravejados de teorias protestantes anglicanas.
A Santíssima Mãe, obviamente, não é mais importante que Seu filho, pois Ele é Deus, com o Pai e o Espírito Santo. Mas, na hierarquia celestial, logo após a Santíssima Trindade, está Nossa Senhora, o ser mais próximo do Deus Trino e que intercede por Seus filhos, intimamente, junto ao Criador, tal qual o fizestes nas Bodas de Caná.
O católico não substitui Nosso Senhor Jesus Cristo Pela Puríssima Virgem Maria. E nunca houve, não há e jamais haverá tal ilógica concorrência. Ao Deus Trino se adora. À Mãe Santíssima se venera. E ambos agem juntos (e nunca separadamente) para o bem e salvação das almas.
Que se observe tal interessante publicação:
"Em 1846 d.C., Orestes Brownson escreveu uma mordaz crítica ao ‘Essay on the Development of Christian Doctrine’, de John Henry Newman. Brownson começa sua crítica notando que a coisa correta que Newman deveria fazer com seu [‘Essay on Development of Doctrine’] era enterrá-lo (...) Desde que Newman se converteu e se alimentou do ‘Manjar dos Anjos’ [Sacramento da Eucaristia] deveria abandonar sua teoria protestante, a qual foi desnecessária e inadmissível. No intenso esforço de Newman, de ‘desenvolver protestantismo no Catolicismo’, ele inventou uma teoria que era ‘essencialmente anticatólica e protestante’ (Págs. 2-3). É um absurdo, Brownson acusou, basear o Depósito da Fé em algo mutável como ‘sentimentos intensos’. Se esse fosse o caso, então, hoje, um Artigo de Fé poderia levantar um novo sentimento, o que, depois, poderia tornar-se opinião, e, finalmente, numa época mais distante, ser imposto como uma Verdade Dogmática. Tal visão, se seguisse, ‘supriria inteiramente a verdadeira autoridade de ensino da Igreja, competente a todo momento para declarar infalível o que é precisamente a Verdade Revelada.’ (Pág. 8) (...) Ele citou Newman como [um admirador] aplaudindo o Montanismo como ‘uma notável antecipação ou presságio de desenvolvimentos que logo começaram a se manifestar na Igreja’; [asseverava que] o próprio heresiarca era a ‘antecipação de São Francisco’; [que] a heresia novaciana antecipou o pensamento de São Bento ou São Bruno. (Pág. 13) Com efeito, Newman defendeu que a ortodoxia é supostamente formada da ‘matéria-prima’ dada pelos hereges. Brownson fortemente observou: ‘é singular que nunca tenha ocorrido ao Sr. Newman que possivelmente a visão herética que ele parecia tanto admirar era simplesmente corrupção de Doutrinas que a Igreja ensinou antes delas, e que a heresia é a corrupção da ortodoxia, e não sua matéria-prima.’ (Pág. 14) Brownson foi, então, criticar a suposição de Newman, [a qual defende] que a Revelação foi primeiro feita exclusivamente pela palavra escrita — outra noção protestante que ele tentou catolizar. Ele também argumentou contra a visão profundamente naturalista da história humana e eclesiástica, que caracterizava o ‘Essay on Development of Doctrine’ de Newman." (Catholic Dogmas Come from ‘Intense Feelings’, Margaret C. Galitzin. Summary of Orestes Brownson’s review of ‘Essay on Development of Doctrine’, by John Henry Newman [Brownson’s Quarterly Review, July, 1846 d.C.])
Agora, que se atente às palavras do Secretário do Papa Pio IX, Monsenhor George Talbot, dirigidas ao Cardeal Henry Edward Manning, de Westminster-Londres:
"É perfeitamente verdadeiro que uma nuvem paira sobre Dr. Newman, em Roma, desde quando o Bispo de Newport o delatou a Roma, por heresia, no seu artigo no ‘The Rambler’, sobre consultar o laicato em matérias da Fé. Nenhum dos seus escritos, desde então, removeram essa nuvem. Cada um deles criou uma controversia, e o espírito deles nunca foi aceito em Roma... (…) Dr. Newman é o homem mais perigoso da Inglaterra, e verá que ele fará uso do seu laicato contra Vossa Excelência, que não deve ter medo dele. Será necessário muita prudência, mas V. Ex.ª precisa manter-se firme, já que o Santo Padre ainda mantêm sua confiança em vós... " (Msgr. George Talbot, Papal chamberlain from the Vatican wrote to Archbishop Manning, 25 april 1867 d.C.. "The Life of John Henry Cardinal Newman" by Wilfrid Ward, Vol. II, Págs. 146-148)
Como é sabido, antes de sua conversão à verdadeira Fé, o inglês John Henry Newman era um “pastor” protestante anglicano fervoroso. Escreveu livros em apologia a essa seita e em sua obra anglicana há ataques à Santa Igreja. Todavia, após declarar-se católico, não rejeitou seus erros completamente, como o fez, por exemplo, o Apóstolo São Paulo, acerca de suas opiniões sobre Cristo (anteriores à sua conversão), após tornar-se seguidor e escravo de Jesus: "...mas o que era para mim lucro eu o tive como perda, por amor de Cristo. Mais ainda: tudo eu considero perda, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por Ele eu perdi tudo e tudo tenho como esterco..." (Fl 3,7-8).
Quanto à gravíssima afirmação, acima, essa não é de minha autoria. O fato é de conhecimento público, uma vez que o próprio biógrafo do Cardeal Newman o registra, no livro em que conta sua vida:
“Quando Newman chegou a revisar seu próprio ataque ao sistema Católico Romano, escrito nos dias do ‘Movimento de Oxford’, ele achou que um bom número deles eram verdadeiros e sólidos. Mas, como ele agora reconheceu, era, na verdade, um criticismo, não [em relação à] Igreja Nela mesma, ou [à] religião Católica, mas [à] ação dos povos Católicos ou governantes, em circunstância especiais.” (The Life of John Henry Cardinal Newman, by Wilfrid Ward, Vol. II, Págs. 419-420)
A ideia de um Cardeal Newman não totalmente liberto de seu passado protestante é também avalizada pelo Cardeal Avery Dulles, em sua obra "John Henry Newman", na qual menciona a postura desse primeiro defronte à seita anglicana (Págs. 121-124):
"Nessas três cartas (escritas no final de 1850 d.C., começo de 1851 d.C.) ao leigo católico J. M. Capes, Newman o advertiu contra lançar uma cruzada contra o establishment [anglicano]. Newman, aqui, descrevia a igreja da Inglaterra como um ‘baluarte contra a infidelidade’, na sombra da qual todas as igrejas dissidentes [protestantes] viveram. Enquanto a igreja [anglicana] estabelecida sobreviveu, Newman acreditava que ela servia como testemunha da Revelação e da religião dogmática e ritualística [Santa Igreja Católica]. [Acreditava que] se o establishment anglicano fosse derrubado, a literatura descrente iria inundar o mercado. [Acreditava que] a Igreja Católica não era suficientemente forte para tomar lugar do establishment nesse ponto.” (Letter of J. H. Newman to J.M. Capes of December 24, 1850 d.C., and February 9 and February 18, 1851 d.C., in The Letters and Diaries of John Henry Newman, Vol. 14, Págs. 173, 207, 213-214)
O próprio Cardeal Newman não escondia sua relação com o anglicanismo. Em 1860 d.C., negou-se a participar dos esforços para a construção de um novo templo católico, na cidade de Oxford.
Segundo ele, tal fato minaria a influência anglicana na região. Argumentou ele, em uma lamentável epístola ao Cônego E. E. Estcourt (então Secretário do Bispo Ullathorne, da Diocese de Birmingham):
“...Embora eu não veja minha maneira de tomar medidas para enfraquecer a igreja da Inglaterra, sendo o que é, muito menos deveria estar disposto a fazê-lo em Oxford, que até agora tem sido a sede das Tradições que constituem tudo o que existe de Doutrina Católica e princípio na igreja anglicana. (…) Até as coisas mudarem muito lá, enfraquecendo Oxford enfraqueceríamos nossos amigos. (…) Os católicos não nos tornaram católicos. Oxford nos tornou católicos. No momento, Oxford certamente faz mais bem do que mal.” (Letter of J.H. Newman to E. E. Estecourt of June 2, 1860 d.C., in ibid, Vol. 19, Págs. 352)
Esse mesmo Cardeal Newman, em sua obra “Apologia pro vita sua”, absurdamente afirma ter a “firme crença que a graça [pode] ser encontrada na Igreja Anglicana.” (Apologia Pro Vita Sua, Pág. 277, referring to a letter of September 1844 d.C.).
E, acerca dessa seita inglesa (inimiga da Santa Igreja Católica), ele declara “que, até certo ponto, [ela] é uma testemunha e professora da Verdade Religiosa.” (Apologia Pro Vita Sua, Págs. 339-342, referring to a letter of September 1844 d.C.)
Foi por essa sua obstinada heterodoxia que o Cardeal Newman inundou com diversas polêmicas sua vida clerical, além de fomentar uma coleção de opositores na própria Hierarquia Eclesiástica — inclusive no Vaticano.
Um mês após a promulgação do Dogma da Infalibilidade Papal, pelo Papa Pio IX, no Concílio Vaticano I, em 1870 d.C., o Cardeal Newman declarou:
“...Mas devemos esperar, porque é obrigatório ter esperança que o Papa seja expulso de Roma e não continue o Concílio, ou que haja outro Papa. É triste que ele nos obrigue a tais desejos.” (Carta de John Henry Newman ao Pe. Ambrose, a 22 de agosto de 1870 d.C.)
Três meses depois de ter escrito as lamentáveis palavras supracitadas, frustrado pelos Padres conciliares não serem contrários ao Dogma da Infalibilidade Papal, enviara uma missiva à Lady Simeon, em 18 de novembro de 1870 d.C., na qual lê-se:
“...Chegamos a um clímax da tirania. Não é bom para um Papa viver 20 anos. É uma anomalia e não dá bons frutos; ele se torna um deus, não tem ninguém para contradizê-lo, não conhece os fatos e faz coisas cruéis sem querer.” (Quotations from Newman’s letters are taken from Charles Stephen Dessain’s The Letters and Diaries of John Henry Newman, Vol. XXVI.)
Um genuíno católico reza pelo Papa, a fim de que trilhe sua árdua jornada à frente da Santa Igreja de Cristo, na Terra, com a máxima santidade e longevidade, pela graça do Deus Trino. No entanto, V. Ex.ª Cardeal Newman asseverara não ser positivo um papado durar 20 anos: “não é bom para um Papa viver 20 anos”, dissera ele. Lamentável!
O Concílio Vaticano I estendeu-se de 1946 d.C. a 1978 d.C., com pausas, evidentemente. E, em seus primórdios, o Cardeal Newman já se mostrara contrário ao Dogma da Infalibilidade. Portanto, suas citações, acima, das décadas de 60 e 70, não possuem essência diferente das que entremeavam seus pensamentos nos anos 50. Prova disso é seu “Discurso sobre a educação universitária”, feito em 1952 d.C., no qual declara:
“...Sinto profundamente, sempre protestarei, pois posso apelar ao amplo testemunho da história para me confirmar que, em questões de certo e errado, não há nada realmente forte em todo o mundo, nada decisivo e operativo, mas a voz Daquele a quem foram confiadas as Chaves do Reino e a supervisão do rebanho de Cristo. Essa voz é, agora, como sempre foi, uma autoridade real, infalível quando ensina, próspera quando comanda, sempre assumindo a liderança com sabedoria e distinção em sua própria província, acrescentando certeza ao que é provável e persuasão ao que é certo. Antes de falar, o mais santo pode se enganar; e, depois de ter falado, os mais dotados devem obedecer.” (Dessain, Vol. XXVI, Págs. 167. On University Education, 1852 d.C.)
Na biografia do Cardeal John Henry Newman, escrita por Wilfrid Ward, encontra-se palavras capazes de gerar grande perplexidade a um católico comprometido com a ortodoxia de sua Fé:
"Tais cartas (se elas circulassem) fariam muito para assegurar as muitas mentes perturbadas, hoje, quando olham para Roma (…). Mas tudo que eu faço é rezar aos primitivos Doutores da Igreja, Agostinho e o resto, cuja intercessão decidiria a matéria para prevenir tão grande calamidade (...)" (Newman's letter to Bishop Ullathorne of January 28, 1870 d.C.. The Life of John Henry Cardinal Newman, by Wilfrid Ward, Vol. II, Págs. 287-289)
Humilde e respeitosamente, em verdade afirmo que a impressão a qual tais ideias me passam é de gravíssimo equívoco teológico, uma vez que, enquanto católico e conhecedor da Santa Doutrina e da Santa Tradição, considero impossível que um fiel proceda de tal modo.
Creio que Santo Inácio de Antioquia, Santo Atanásio de Alexandria, Santo Agostinho, São Vicente de Lérins, Santo Tomás de Aquino ou qualquer outro baluarte da Fé, havendo a oportunidade de ler tais absurdos, jamais concordariam com os posicionamentos do Cardeal Newman, tão mesclados de protestantismo e de afrontas aos bi-milenares ensinos da Santa Igreja e ao Seu Papado.
Esse mesmo biógrafo de V. Ex.ª, há pouco mencionado, deu aspas ao Cardeal Newman e também registrou:
"...E a reclamação de Newman foi que os interesses da precisão intelectual, a exibição da consistência do Dogma [da Infalibilidade Papal], com conhecidos princípios teológicos e fatos históricos, não foram atendidos." (The Life of John Henry Cardinal Newman by Wilfrid Ward, Vol. II, Págs. 419-420). E, ainda, na mesma obra: "...concordo com você que a redação do Dogma não tem nada dificultoso nele. Expressa o que, como opinião, eu sempre mantive com uma gama de outros católicos. Mas não me faz querer impor aos outros, e eu não vejo porque um homem que o negasse não seria tão bom católico quanto um homem que o sustentasse. E é inédito e sério precedente na Igreja que um Dogma de Fide [Fé] tenha sido passado sem causa definitiva ou urgente. Até onde vejo, ninguém é atado a acreditar, neste momento, certamente não até o fim do Concílio… (...) Ao mesmo tempo, tendo o Papa pronunciado a definição, eu penso ser mais seguro aceitá-la de uma vez. Eu duvido muito que, neste momento, antes do fim do Concílio, eu poderia ir a público falar que é de Fide [Fé] qualquer coisa que venha dele, apesar de acreditar na Doutrina mesma." (The Life of John Henry Cardinal Newman by Wilfrid Ward, Vol. II, Págs. 310-311 and 308-309 respectively)
O que mais entristece-me, em toda essa trágica história, é o fato de Papas beatificarem e canonizarem o Cardeal Newman: um Sacerdote cuja vida clerical foi antagônica ao genuíno exemplo de imitação de Jesus Cristo que deve ser todo Padre e todo católico, como assim o foram os verdadeiros grandes santos — espelhos de retidão e fidelidade a Jesus e às Leis de Sua Igreja, todas elas inspiradas por Seu Espírito Santo, além das dadas diretamente pelo próprio Pai e das ensinadas por Seu unigênito Filho.
Todavia, não surpreendem-me com tais atitudes essa hierarquia modernista, humanista e liberal, tendo em vista que comungam de muitas das sabotadoras ideias anticatólicas do Cardeal Newman, inclusive de seu posicionamento evolucionista, tanto no que concerne ao âmbito biológico quanto da Fé — infelizmente.
O Sumo Pontífice Leão XIII — que assinou exímias encíclicas papais, em defesa da Santa Tradição — lamentavelmente nomeou Cardeal o Sacerdote John Henry Newman Cardeal, em 1879 d.C.. Bento XVI beatificou-o em 2010 d.C.. Seu sucessor, Papa Francisco, finalizou o serviço, canonizando-o em 2019 d.C..
Isso prova que, infortunadamente, não são poucos os Papas que muitos pretensos católicos tradicionalistas apontam como baluartes da Santa Tradição e, em verdade, não o são.
O Papa Bento XVI é um recente exemplo de tão grande equívoco: em toda sua vida eclesiástica demonstrou publicamente sua heterodoxia, inclusive quando em ocasião da beatificação do Padre Newman, em meio a um discurso de deixar atônito e triste todo católico conhecedor da história do beatificado — texto esse publicado na íntegra, pelo próprio Vaticano.
"O mote do Cardeal Newman, ‘Cor ad cor loquitur’ (‘o coração fala ao coração’), permite-nos penetrar na sua compreensão da vida cristã como chamada à santidade, experimentada como o intenso desejo do coração humano de entrar em íntima comunhão com o Coração de Deus. (...) O Evangelho de hoje diz-nos que ninguém pode ser servo de dois senhores (Lc 16, 13), e o ensinamento do Beato John Henry sobre a oração explica como o fiel cristão se colocou de modo definitivo ao serviço do único verdadeiro Mestre, e só Ele tem o direito à nossa devoção incondicionada (Mt 23, 10). Newman ajuda-nos a compreender o que isto significa na nossa vida quotidiana... (...) O serviço específico ao qual o Beato John Henry Newman foi chamado exigiu a aplicação da sua inteligência sutil e da sua obra fecunda a favor de muitos dos mais urgentes ‘problemas do dia’ [dia-a-dia]. As suas intuições sobre a relação entre Fé e razão, sobre o espaço vital da Religião revelada na sociedade civilizada, e sobre a necessidade de uma abordagem da educação vastamente fundada e a amplo raio, não foram apenas de profunda importância para a Inglaterra vitoriana, mas continuam ainda hoje a inspirar e a iluminar muitos em todo o mundo. Desejo prestar homenagem à sua visão sobre a educação, que tanto fez para plasmar o ‘ethos’, a força que está na base das escolas e dos institutos universitários católicos de hoje. (...) E, na realidade, qual meta melhor poderiam propor-se os professores de religião, do que aquele famoso apelo do Beato John Henry para um laicado inteligente e bem instruído: ‘quero um laicado não arrogante nem polémico, mas homens que conheçam a própria Religião, que entrem Nela, que saibam bem onde se erigem, que saibam o que crêem e não crêem, que conheçam de tal modo o próprio Credo que dele prestem contas, que conheçam bem a própria história para a poder defender.’ (The Present Position of Catholics in England, IX, 390) Hoje, quando o autor dessas palavras é elevado aos altares, rezo, a fim de que, mediante a sua intercessão e o seu exemplo, quantos estão comprometidos na tarefa do ensino e da catequese sejam inspirados pela sua visão, a um esforço maior, que está diante de nós, de modo tão claro. (...) Enquanto o testamento intelectual de John Newman foi o que compreensivelmente recebeu maiores atenções na vasta publicidade sobre a sua vida e obra, prefiro, nesta ocasião, concluir com uma breve reflexão sobre a sua vida de Sacerdote e de pastor de almas. O vigor e a humanidade que estão na base do seu apreço pelo ministério pastoral são magnificamente expressos por outro dos seus famosos discursos: ‘se os anjos tivessem sido os vossos Sacerdotes, queridos irmãos, não teriam podido participar nos vossos sofrimentos, nem ser indulgentes, nem ter compaixão por vós, nem sentir ternura em relação a vós, nem encontrar motivos para vos justificar, como nós podemos; não teriam podido ser modelos nem guias para vós, nem vos teriam conduzido do vosso homem velho para uma vida nova, como o podem fazer todos os que provêm do vosso mesmo ambiente.’ (Men, not Angels: the Priests of the Gospel, Discourses to mixed congregations, 3) Ele viveu aquela visão profundamente humana do Ministério Sacerdotal na devota solicitude, pela população de Birmingham, durante os anos dedicados ao Oratório por ele fundado, visitando os doentes e os pobres, confortando os esquecidos, ocupando-se de quantos estavam na prisão." (Papa Bento XVI. Homilia da cerimônia dominical de beatificação do Cardeal Newman, em 19/09/2010 d.C., Birmingham-Inglaterra - https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/homilies/2010/documents/hf_ben-xvi_hom_20100919_beatif-newman.html)
Humildemente, em verdade, declaro: todo meu mais sincero respeito e reverência às respectivas posições hierárquicas de tais Sacerdotes, no âmago da Santa Igreja de Cristo. Porém, é também dever meu, enquanto católico, alertar, a quantos fiéis me for possível, acerca de erros tão perniciosos à salvação das almas, na medida em que podem desviá-las da Sã Doutrina. E a alocução em voga revela-se, lamentavelmente, mais uma latente evidência da crise sem precedentes na cristandade: um Papa heterodoxo, beatificando um Sacerdote heterodoxo e, em uníssono, uma turba vai atrás, repetindo aos brados suas heterodoxias, que fazem uso de expressões humanistas e sentimentalóides, tais como “o coração fala ao coração”, “vigor e a humanidade que estão na base do seu apreço pelo ministério pastoral”, “ele viveu aquela visão profundamente humana do Ministério Sacerdotal”, etc.
Refriso: Fé é razão e jamais sentimento; é espírito e mente, respectivamente nessa ordem, na medida em que todo bem espiritual que alcançamos advém da graça santificante, misericordiosamente dada a nós pelo Altíssimo, que nos move, a partir daí, intelectualmente a Ele. E toda positividade, ainda que não esteja diretamente interligada à conjuntura espiritual, indiretamente o está, uma vez que tudo, de modo geral, está inserido em tal contexto, já que é isso a vida, por essência, porquanto inicia-se, desenvolve-se e encerra-se nele.
Fé é o ato direto, movimento consciente, voluntário, decisório, a partir da racionalização (precedida pela graça) acerca dos Mistérios Sobrenaturais do Deus Trino, de Suas Revelações e, daí em diante, o assentimento às Suas Verdades. Nenhuma relação com termos feito “coração”, “gesto de humanidade” ou qualquer conjuntura similar ao que fora o péssimo Movimento do Romantismo, no Século XVIII d.C.. Ao contrário, a ação de crer, a adesão ao Genuíno Deus e Sua Santa Igreja, indispensavelmente, pressupõem serenidade, ordenamento dos sentidos, domínio das paixões, altivez de consciência. É justamente o oposto dessa histeria intelectual-teológica que os liberais/modernistas/inovadores/humanistas/heterodoxos insistem em proliferar. Contudo, embora me causem profunda tristeza tais resoluções, essas não me geram surpresa alguma.
Não é surpresa para aqueles que conhecem os bastidores da agenda teológica liberal, gradativamente introduzida no Vaticano por parte de um grupo de modernistas da Hierarquia Eclesiástica (sobretudo no início do Século XX d.C., com o Movimento Litúrgico), o qual preparou o terreno para a implantação do Concílio Vaticano II; não é surpresa para aqueles que conhecem as ideias que alicerçaram, planejaram e realizaram tal fatídico Sínodo Geral, bem como seus personagens; não é surpresa para aqueles que conhecem os Clérigos que executaram e fomentaram a permanência das diretrizes conciliares e o tal lamentável “espírito conciliar” (“hermenêutica da continuidade”), tanto os Padres de então quanto os atuais; não é surpresa para aqueles que conhecem a dinâmica de toda essa engrenagem deplorável, os quais facilmente reconhecem (ou, ao menos minimamente, deveriam sabê-lo) o fio condutor filosófico-teológico-político que interliga cada uma de suas peças constituintes, o que torna mais fácil antever as pesarosas consequências advindas desses ataques à Santa Igreja, a qual passa pela maior crise de Sua História — um verdadeiro Calvário. Mas, porque é Ela o Corpo Místico de Cristo, por sê-Lo padece, mas não perecerá, porque é divinamente triunfante, como o é Nosso Senhor. (Cl 1,12-20; 1Cr 12,4-27; Rm 12,2-5; Ef 3,1-6; Ef 5,22-30)
† † †
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há outras polêmicas importantes acerca do Cardeal Newman, contudo, por falta de comprovações sólidas, tanto da parte de quem o defende quando dos acusadores, opto por não mencioná-las aqui — já que meu compromisso é com a proliferação da Fé e tudo que a tange, bem como a verdade, a genuína História e seus fatos; jamais especulações ou meros posicionamentos subjetivos, oriundos eles de quem quer que sejam.
De todo modo, penso serem suficientes os escritos acima expostos, a fim de se compreender — ao menos basicamente — a essência da eclesiologia do Cardeal Newman e, a partir disso, se constatar seguramente que, em definitivo, não pode esse Sacerdote ser apontado como bastião da Fé, da Santa Tradição, da ortodoxia católica e dos Sacros Dogmas da Santa Igreja.
O fiel católico deve, ao contrário, pautar suas ideias e ações, seus parâmetros da Fé, seus códigos de conduta, na vida de Nosso Salvador, o Cristo; na de Sua Santíssima Mãe, a Sempre Virgem Maria; na dos Santos Apóstolos; e na de todos os luminares católicos que dedicaram suas vidas (muitos deles doando-as, voluntariamente, ao martírio) à rígida, radical, zelosa, reta e piedosa preservação da Santa Tradição Católica — razão pela qual Ela chegou viva e intacta até nós, nos dias atuais, mais de dois mil anos após a vinda de Jesus.
Esses, sim, devem por nós serem lidos, ouvidos, estudados e imitados. Lembremo-nos: nossa fidelidade ao Deus Trino e à Sua Santa Igreja, para além de obrigação e condição sine qua non de redenção, também honra o sangue derramado de todos os Bem-Aventurados que se sacrificaram em prol da continuidade imutável da Santa Doutrina, a qual atravessa, indelével, os tempos terrenos e, por conseguinte, permite aos católicos o acesso aos Sacramentos, indispensáveis para se lucrar a misericórdia salvífica do Sempiterno.
Que a Santíssima Trindade tenha misericórdia de nós e nos conceda Sacerdotes santos e Sumos Pontífices genuinamente católicos, que, deveras, defendam a Santa Igreja, Sua Santa Doutrina, Sua Santa Tradição, Suas Verdades de Fé e as almas confiadas a Ela pelo próprio Deus Trino, de modo a combater o inimigo, os pecados, a anatematizar hereges e proliferar, sem cessar, a Unam, Sanctam, Cathólicam et Apostólicam Ecclésiam.
† † †
SUPPLEMENTUM
Por fim, finalizo essa obra com uma homilia feita por um virtuosíssimo Sacerdote, o qual figurara entre os mais conspícuos de seu tempo, como exemplo de ortodoxia no Clero. E o faço, especialmente, para efeito de comparação entre suas ideias — fiéis à Santa Tradição — e as do Cardeal Newman o Cardeal Newman, de notória heterodoxia. —Padres contemporâneos e, no entanto, demasiadamente distintos.
Louis-Édouard-François-Désiré Pie nascera na França, em Pontgouin. Seu pai era ferreiro e sua mãe camponesa. O que lhes faltava no dinheiro, sobrava na Fé. E, por isso, o portento garoto foi acólito, aprendeu latim, adentrou ao seminário, foi sagrado Sacerdote, aos 34 anos já era Bispo de Poitiers-FR e chegou à honra de Cardeal.
Eis — esse sim — um exemplo de Sacerdote, de Bispo, de Cardeal: bastião da Fé, impávido defensor da Sã Doutrina, ultramontano, carlista, voraz opositor às ideias naturalistas e liberais de seu tempo; uma voz de destaque no Concílio Vaticano I, o qual positivou o Dogma da Infalibilidade Papal, bem como na canonização de Santo Hilário e entronização de São Francisco de Sales ao seleto grupo de Doutores da Igreja.
Que o misericordiosíssimo Deus Trino tenha piedade de Vossa Santa Igreja, que A livre dos inimigos internos e externos, e Lhe dê santos Sacerdotes, à semelhança do memorável Cardeal Pie de Poitiers.
“Meus irmãos (…),
Nosso século clama: “tolerância! Tolerância!” Tem-se como certo que um Padre deve ser tolerante; que a Religião deve ser tolerante.
Meus irmãos, não há nada que valha mais que a franqueza, e eu, aqui, estou para vos dizer, sem disfarce, que, no mundo inteiro, só existe uma sociedade que possui a verdade, e que esta sociedade deve ser necessariamente intolerante. Mas, antes de entrar no mérito, distinguindo as coisas, convenhamos sobre o sentido das palavras, para bem nos entendermos. Assim não nos confundiremos.
A tolerância pode ser civil ou teológica. A primeira não nos diz respeito, e não darei senão uma pequena palavra sobre ela: se a lei tolerante quer dizer que a sociedade permite todas as religiões porque, a seus olhos, elas são todas igualmente boas ou porque as autoridades se consideram incompetentes para tomar partido neste assunto, tal lei é ímpia e ateia. Ela exprime não a tolerância civil, como a seguir indicaremos, mas a tolerância dogmática que, por uma neutralidade criminosa, justifica nos indivíduos a mais absoluta indiferença religiosa. Ao contrário, se, reconhecendo que uma só Religião é boa, a lei suporta e permite que as demais possam exercer-se, por amor à tranquilidade pública, esta lei poderá ser sábia e necessária se assim o pedirem as circunstâncias, como outros observaram antes de mim (…). [Nas monarquias católicas, no Medievo, a liberdade dos cidadãos praticarem seitas limitava-se ao âmbito privado, em suas casas, e jamais em público, com templos, etc., a fim de não causar escândalo e gerar má influência a outrem. Afinal, o catolicismo nunca obrigou ninguém à submissão, pois a salvação é uma escolha subjetiva e individual. Todavia, todo governante católico tem a obrigação de preservar, ao máximo, a integridade da sociedade a qual administra e salvaguardar, tanto quanto possível, a segurança da Fé daqueles que nela a professam. Certamente, a isso referia-se o Cardeal Pie de Poitiers, nas últimas linhas do presente parágrafo.]
Deixo, porém, este campo cheio de dificuldades, e volto-me para a questão propriamente religiosa e teológica, em que exponho estes dois princípios: primeiro, a Religião que vem do Céu é verdade, e é intolerante com relação às doutrinas errôneas; segundo, a Religião que vem do Céu é caridade, e é cheia de tolerância quanto às pessoas.
Roguemos à Nossa Senhora vir em nossa ajuda e invocar para nós o Espírito de verdade e de caridade: Spiritum veritatis et pacis. Ave Maria (...)
Faz parte da essência de toda a verdade não tolerar o princípio que a contradiz. A afirmação de uma coisa exclui a negação dessa mesma coisa, assim como a luz exclui as trevas. Onde nada é certo, onde nada é definido, podem-se partilhar os sentimentos, podem variar as opiniões. Compreendo e peço a liberdade de opinião nas coisas duvidosas: in dubiis, libertas. Mas, logo que a verdade se apresenta com as características certas que a distinguem, por isso mesmo que é verdade, ela é positiva, ela é necessária, e, por conseguinte, ela é una e intolerante: in necessariis, unitas. Condenar a verdade à tolerância é condená-la ao suicídio. A afirmação se aniquila se duvida de si mesma, e ela duvida de si mesma se admite, com indiferença, que se ponha a seu lado a sua própria negação. Para a verdade, a intolerância é o instinto de conservação, é o exercício legítimo do direito de propriedade. Quando se possui alguma coisa, é preciso defendê-la, sob pena de logo se ver despojado dela.
Assim, meus irmãos, pela própria necessidade das coisas, a intolerância está em toda a parte, porque em toda parte existe o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, a ordem e a desordem. Que há de mais intolerante do que esta proposição: 2 mais 2 fazem 4? Se vierdes dizer-me que 2 mais 2 fazem 3 ou fazem 5, eu vos respondo que 2 mais 2 fazem 4.
Nada é tão exclusivo quanto a unidade. Ora, ouvi a palavra de São Paulo: ‘unus Dominus, una Fides, unum Baptisma.’ Há, no Céu, um só Senhor: unus Dominus. Esse Deus, cuja unidade é seu grande atributo, deu à Terra um só Símbolo [Credo], uma só Doutrina, uma só Fé: una Fides. E esta Fé, esta Doutrina, Ele confiou-As a uma só sociedade visível, uma só Igreja, cujos filhos são, todos, marcados com o mesmo selo e regenerados pela mesma graça: unum Baptisma. Assim, a unidade divina que esplende por todos os séculos, na glória de Deus, produziu-se sobre a Terra, pela unidade do Dogma Evangélico [concernente aos Evangelhos], cujo depósito foi confiado por Nosso Senhor Jesus Cristo à unidade hierárquica do Sacerdócio: um Deus, uma Fé, uma Igreja: unus Dominus, una Fides, unum Baptisma.
Um pastor inglês teve a coragem de escrever um livro sobre a tolerância de Jesus Cristo, e certo filósofo de Genebra disse, falando do Salvador dos Homens: ‘não vejo que meu Divino Mestre tenha formulado sutilezas sobre o Dogma.’ Bem verdadeiro, meus irmãos. Jesus Cristo não formulou sutilezas sobre o Dogma, mas trouxe aos Homens a verdade e disse: se alguém não for batizado na água e no Espírito Santo, se alguém se recusa a comer a Minha carne e a beber o Meu sangue, não terá parte em Meu Reino. Confesso que nisso não há sutilezas; há intolerância, há exclusão — a mais positiva; a mais franca —. E mais: Jesus Cristo enviou Seus Apóstolos para pregar a todas as nações, isto é, derrubar todas as religiões existentes para estabelecer em toda a Terra a única Religião Cristã e substituir todas as crenças dos diferentes povos pela unidade do Dogma Católico. E, prevendo os movimentos e as divisões que esta Doutrina iria incitar sobre a Terra, Ele não Se deteve e declarou que tinha vindo para trazer não a paz, mas a espada, e para acender a guerra não somente entre os povos, mas no seio de uma mesma família e separar, pelo menos quanto às convicções, a esposa fiel do esposo incrédulo, o genro cristão do sogro idólatra. A afirmação é verdadeira e o filósofo tem razão: Jesus Cristo não formulou sutilezas sobre o Dogma...
Falam da tolerância dos primeiros séculos, da tolerância dos Apóstolos. Mas isso não é assim, meus irmãos. Ao contrário, o estabelecimento da Religião Cristã foi, por excelência, uma obra de intolerância religiosa. No momento da pregação dos Apóstolos, quase todo o universo praticava essa tolerância dogmática tão louvada. Como todas as religiões eram igualmente falsas e igualmente desarrazoadas, elas não se guerreavam; como todos os deuses valiam a mesma coisa uns para os outros, eram todos demônios, não eram exclusivos, eles se toleravam uns aos outros: satã não está dividido contra si mesmo. O Império Romano, multiplicando suas conquistas, multiplicava seus deuses, e o estudo de sua mitologia se complica na mesma proporção que o da sua geografia. O triunfador que subia ao Capitólio fazia marchar diante dele os deuses conquistados, com mais orgulho ainda do que arrastava atrás de si os reis vencidos. O mais das vezes, em virtude de um Senatus-Consulto, os ídolos dos bárbaros se confundiam, desde então, com o domínio da pátria, e o Olimpo nacional crescia como o Império.
Quando aparece o Cristianismo (prestem atenção a isso, meus irmãos, são dados históricos de valor, com relação ao assunto presente), quando o Cristianismo surge pela primeira vez, não foi repelido imediatamente. O paganismo perguntou-se se, em vez de combater a nova Religião, não devia dar-lhe acesso ao seu solo. A Judéia tinha-se tornado uma província romana. Roma, acostumada a receber e conciliar todas as religiões, recebeu, a princípio, sem maiores dificuldades, o culto saído da Judéia. Um imperador colocou Jesus Cristo, como a Abraão, entre as divindades de seu oratório, assim como se viu, mais tarde, outro César propor prestar-Lhe homenagens solenes. Mas a palavra do profeta não tardou a se verificar: as multidões de ídolos que viam, de ordinário, sem ciúmes, deuses novos e estrangeiros serem colocados ao lado deles, com a chegada do Deus dos cristãos lançam um grito de terror, e, sacudindo sua tranquila poeira, abalam-se sobre seus altares ameaçados: ecce Dominus ascendit, et commovebuntur simulacra a facie ejus. Roma estava atenta a esse espetáculo. E logo quando se percebeu que esse Deus novo era irreconciliável inimigo dos outros deuses; quando se viu que os cristãos, cujo culto se havia admitido, não queriam admitir o culto da nação; em uma palavra: quando se constatou o espírito intolerante da Fé Cristã, foi, então, que começou a perseguição.
Ouvi como os historiadores do tempo justificam as torturas dos cristãos. Eles não falam mal de sua Religião, de seu Deus, de seu Cristo, de suas práticas; só mais tarde é que inventaram calúnias. Eles os censuram somente por não poderem suportar outra religião senão a deles. ‘Eu não tinha dúvidas’, diz Plínio, o Jovem, ‘apesar de seu Dogma, de que não era preciso punir sua teimosia e sua obstinação inflexível’: pervicaciam et inflexibilem obstinationem. ‘Não são criminosos’, diz Tácito, ‘mas são intolerantes, misantropos, inimigos do gênero humano. Há neles uma Fé teimosa em seus princípios, e uma Fé exclusiva, que condena as crenças de todos os povos’: apud ipsos fides obstinata, sed adversus omnes alios hostile odium. Os pagãos diziam, geralmente, dos cristãos o que Celso disse dos judeus, com os quais foram muito tempo confundidos, porque a Doutrina Cristã tinha nascido na Judéia. ‘Que esses homens adiram inviolavelmente às suas Leis’, dizia este sofista, ‘nisto não os censuro; só censuro aqueles que abandonam a religião de seus pais para abraçar uma diferente! Mas, se os judeus ou os cristãos querem só dar ares de uma sabedoria mais sublime que aquela do resto do mundo, eu diria que não se deve crer que eles sejam mais agradáveis a Deus que os outros.’
Assim, meus irmãos, o principal agravo contra os cristãos era a rigidez absoluta do seu Símbolo, e, como se dizia, o humor insociável de sua teologia. Se só se tratasse de um Deus mais, não teria havido reclamações; mas era um Deus incompatível, que expulsava todos os outros: aí está o porquê da perseguição. Assim, o estabelecimento da Igreja foi obra de intolerância dogmática. Toda a história da Igreja não é senão a história dessa intolerância. Que são os mártires? Intolerantes, em matéria de Fé; que preferem os suplícios a professar o erro. Que são os Símbolos? São fórmulas de intolerância, que determinam o que é preciso crer e que impõem à razão os Mistérios necessários. Que é o Papado? Uma instituição de intolerância doutrinal, que, pela unidade hierárquica, mantém a unidade de Fé. Por que os Concílios? Para frear os desvios de pensamentos, condenar as falsas interpretações do Dogma, anatematizar as proposições contrárias à Fé. [O Concílio Vaticano II foi o único, na história inteira da Santa Igreja, em que não se “freou desvios de pensamentos”, em que não se “condenou as falsas interpretações do Dogma”, em que não se “anatematizou as proposições contrárias à Fé”. Ao contrário, atacou a Santa Tradição e foi de encontro a documentos e decisões infalíveis do Magistério Ordinário e Extraordinário.]
Nós somos, então, intolerantes, exclusivos em matéria de Doutrina; disto fazemos profissão [concernente a proferir]; orgulhamo-nos [não em sentido do pecado orgulho, mas regozijo] da nossa intolerância. Se não o fôssemos, não estaríamos com a verdade, pois que a verdade é uma e, consequentemente, intolerante. Filha do Céu, a Religião Cristã, descendo à Terra, apresentou os títulos de sua origem; ofereceu ao exame da razão fatos incontestáveis, e que provam, irrefutavelmente, Sua divindade. Ora, se Ela vem de Deus, se Jesus Cristo, Seu autor, pode dizer: Eu Sou a verdade: Ego Sum veritas, é necessário, por uma consequência inevitável, que a Igreja Cristã conserve, incorruptivelmente, esta verdade, tal qual a recebeu do Céu; é necessário que repila, que exclua tudo o que é contrário a esta verdade, tudo o que possa destruí-la. Recriminar à Igreja Católica Sua intolerância dogmática, Sua afirmação absoluta em matéria de Doutrina, é dirigir-Lhe uma recriminação muito honrosa. É recriminar à sentinela ser muito fiel e muito vigilante. É recriminar à esposa ser muito delicada e exclusiva.
Nós ficamos, muitas vezes, confusos com o que ouvimos dizer sobre todas estas questões, até por pessoas sensatas. Falta-lhes a lógica, desde que se trate de Religião. É a paixão, é o preconceito que os cega? É um e outro. No fundo, as paixões sabem bem o que querem, quando procuram abalar os fundamentos da Fé, pondo a Religião entre as coisas sem consistência. Elas não ignoram que, demolindo o Dogma, preparam para si uma moral fácil. Diz-se com justeza perfeita: é antes o Decálogo que o Símbolo, o que as faz incrédulas. Se todas as religiões podem ser postas num mesmo nível, é que se equivalem todas; se todas são verdadeiras, é porque todas são falsas; se todos os deuses se toleram, é porque não há Deus. E, se se pode aí chegar, já não sobra nenhuma moral incômoda. Quantas consciências estariam tranquilas no dia em que a Igreja Católica desse o beijo fraternal a todas as seitas suas rivais!
Jean-Jacques Rousseau foi, entre nós, o apologista e o propagador desse sistema de tolerância religiosa. A invenção não lhe pertence, se bem que ele tenha ido mais longe que o paganismo, que nunca chegou a levar a indiferença a tal ponto. Eis, com um curto comentário, o ponto principal desse catecismo, tornado infelizmente popular: todas as religiões são boas. Isto é, de outra forma, todas as religiões são ruins...
A filosofia do Século XIX se espalha por mil canais, por toda a superfície da França. Esta filosofia é chamada eclética, sincrética, e, com uma pequena modificação, é também chamada progressiva. Esse ‘belo’ sistema consiste em dizer que não existe nada falso; que todas as opiniões e todas as religiões podem conciliar-se; que o erro não é possível ao Homem, a menos que ele se despoje da humanidade; que todo o erro dos Homens consiste em julgar-se possuidores exclusivos de toda a verdade, quando cada um deles só tem dela um elo, e quando, da reunião de todos esses elos, se deve formar a corrente inteira da verdade. Assim, segundo essa inacreditável teoria, não há religiões falsas, mas são todas incompletas, umas sem as outras. A verdadeira seria a religião do ecletismo sincrético e progressivo, a qual ajuntaria todas as outras, passadas, presentes e futuras: todas as outras, isto é, a religião natural que reconhece um Deus; o ateísmo, que não conhece nenhum; o panteísmo, que o reconhece em tudo e por tudo; o espiritualismo, que crê na alma, e o materialismo, que só crê na carne, no sangue e nos humores; as sociedades evangélicas, que admitem uma revelação [falsos evangelhos e revelações], e o deísmo racionalista, que as rejeita; o Cristianismo, que crê no Messias que veio [Santa Igreja Católica, único cristianismo genuíno], e o judaísmo, que O espera ainda; o Catolicismo, que obedece ao Papa, [e] o protestantismo, que olha o Papa como o Anticristo. Tudo isto é conciliável. São diferentes aspectos da verdade. Da união desses cultos resultará um culto mais largo, mais vasto, o grande culto verdadeiramente católico [a palavra “católico” significa “universal”, e, aqui, tem estritamente esse sentido, e não o que denomina a Santa Igreja], isto é, universal, pois que abrigará todas as outras no seu seio.
Esta doutrina que qualificais de absurda não é de minha invenção; ela enche milhares de volumes e de publicações recentes; e, sem que seu fundo jamais varie, toma todos os dias novas formas, sob a caneta e sobre os lábios dos homens em cujas mãos repousam os destinos da França. — A que ponto de loucura chegamos, então? — Chegamos ao ponto a que deve logicamente chegar todo aquele que não admite o princípio incontestável que estabelecemos, a saber: que a verdade é uma e, por consequência, intolerante, apartada de toda a doutrina que não é a sua. E, para resumir em poucas palavras toda a substância deste meu discurso, eu vos direi: procurais a verdade sobre a Terra? Procurai a Igreja intolerante. Todos os erros podem fazer-se concessões mútuas; eles são parentes próximos, pois que têm um pai comum: vos ex patre diabolo estis. A verdade, filha do Céu, é a única que não capitula.
Vós, pois, que quereis julgar esta grande causa, tomai para isto a sabedoria de Salomão. Entre essas diferentes sociedades, para as quais a verdade é objeto de litígio, como era aquela criança entre as duas mães, quereis saber a quem adjudicá-la. Pedi que vos dêem uma espada, fingi cortar, e examinai as caras que farão os pretendentes. Haverá vários que se resignarão, que se contentarão da parte que vão ter. Dizei logo: essas não são as mães! [E] há uma cara, ao contrário, que se recusará a toda composição, que dirá: a verdade me pertence, e devo conservá-la inteira, jamais tolerarei que seja diminuída, partida. Dizei: esta aqui é a verdadeira mãe!
Sim, Santa Igreja Católica, Vós tendes a verdade, porque tendes a unidade, e porque sois intolerante. Não deixais decompor esta unidade.” (Cardeal Pie de Poitiers. Excertos da homilia na Catedral de Chartres-FRA, em 1841 d.C..)
Vivat Sanctissima Trinitas!
Vivat Sanctissima Virgo Maria!
Vivat Sanctissima Traditio!
Per ipsum, et cum ipso, et in ipso,
per omnia saecula saeculorum!
Amen!
Rafael Pessoa Sabino
2º semestre de 2022 d.C.
† † †
CARDEAL NEWMAN
(1801 d.C. - 1890 d.C.)
Foto: Cardeal Newman — autor desconhecido
CARDEAL PIE DE POITIERS
(1815 d.C. - 1880 d.C.)
Foto: Cardeal Pie de Poitiers — autor desconhecido